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Solo: O gigante invisível do clima

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Por Caio Tibério Dornelles da Rocha 25 de junho de 2025
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Por Caio Tibério Dornelles da Rocha

Introdução

O solo é o maior reservatório terrestre de carbono e exerce um papel crucial na regulação do clima, na produção de alimentos e na manutenção de serviços ecossistêmicos indispensáveis ao bem-estar humano. Em um momento em que os efeitos das mudanças climáticas se agravam e a insegurança alimentar se intensifica, torna-se imperativo reconhecer o solo como parte essencial das estratégias de mitigação e adaptação. A agricultura, diferente de outros setores como energia ou transporte, tem a capacidade singular de remover CO₂ da atmosfera por meio do sequestro de carbono no solo.

O Potencial da Agricultura como Solução Climática

Boas práticas de manejo agrícola - como sistemas integrados de lavoura-pecuária-floresta, plantio direto, pastagens melhoradas e recuperação de áreas degradadas - demonstram potencial expressivo para aumentar os níveis de carbono no solo. Em estudo conduzido com o apoio do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), liderado pelo professor Rattan Lal, foram analisados mais de 13 mil artigos científicos nas Américas. Apenas 9% medem carbono no solo, e menos de 5% o fazem na camada de 0 a 30 cm - evidenciando uma lacuna crítica de conhecimento, especialmente na América Central, Caribe e Andes.

A análise revelou que se 30% das terras agrícolas das Américas (aproximadamente 334 milhões de hectares) adotarem boas práticas agropecuárias, o continente poderá sequestrar até 13,1 bilhões de toneladas de carbono em 20 anos - o equivalente a cerca de 39% das emissões agrícolas da região nesse período. Para que a América Latina e o Caribe alcancem a neutralidade de carbono até 2050, será necessário que mais de 80% da área agrícola adote boas práticas de manejo. Este é um desafio técnico, político e financeiro.

Carbono no Solo: Uma Chave para a Ação Climática

A inclusão do carbono do solo nas agendas climáticas nacionais é urgente. Hoje, a agricultura responde por entre 21% e 35% das emissões antropogênicas globais de gases de efeito estufa. Incorporar o solo nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) pode permitir que os países alinhem seus compromissos internacionais às suas realidades agrícolas, promovendo ao mesmo tempo sustentabilidade, produtividade e justiça climática.

O sequestro de carbono no solo está diretamente relacionado à agricultura sustentável, segurança alimentar, mitigação climática e acesso a financiamento climático. É uma abordagem integrada, que reconhece os agricultores como protagonistas na manutenção do equilíbrio climático global.

A Atuação do IICA e Parcerias Estratégicas

O programa 'Solos Vivos das Américas', coordenado pelo Dr. Rattan Lal no âmbito do IICA, reúne 15 países em uma rede de pesquisa, capacitação e formulação de políticas públicas voltadas à regeneração de paisagens agrícolas. A iniciativa está alinhada a parcerias estratégicas internacionais, como a 4p1000, a FAO (Soil Carbon Monitoring System), o International Soil Carbon Network (ISCN) e a Embrapa, com destaque para a liderança científica tropical.

Além da geração de conhecimento e apoio técnico, o IICA tem atuado como articulador entre ciência, políticas públicas e cooperação internacional. A proposta é clara: promover a sustentabilidade dos sistemas agroalimentares e posicionar o solo como uma solução viável e mensurável frente aos desafios climáticos.

Conclusão

A luta contra as mudanças climáticas e a insegurança alimentar exige ação coordenada, ciência aplicada e vontade política. Na América Latina e no Caribe, regiões que concentram grande parte da produção mundial de alimentos, essa urgência é ainda mais evidente. O solo deve ser visto como ativo estratégico para o futuro do planeta.

Com união, ciência, tecnologia, governança climática e financiamento adequado, será possível transformar desafios em soluções. A regeneração do solo, a valorização da biodiversidade e a agricultura sustentável são caminhos possíveis — e necessários — para garantir um futuro resiliente, justo e próspero para todas as sociedades latino-americanas e caribenhas.

Caio Tibério Dornelles da Rocha
Engenheiro Agrônomo
Doutor em Educação e Ciências
Consultor internacional do IICA/Mercosul

 

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