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Isenção do IR é avanço, mas nova cobrança sobre lucros ameaça equilíbrio tributário

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redacao@justicaemfoco.com.br 30 de setembro de 2025
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Tributarista elevação da carga para empresas, incentivo a manobras e expõe pressa do governo em mudar regras sem ajustes

A Câmara dos Deputados deve votar nesta semana o projeto que amplia a faixa de isenção do Imposto de Renda para R$ 5 mil mensais, promessa de campanha do atual governo. A proposta vem acompanhada da criação de uma alíquota de 10% sobre dividendos distribuídos a sócios de empresas, aplicável a valores anuais acima de R$ 600 mil.

Para o advogado Erlan Valverde, especialista em Direito Tributário e sócio do IW Melcheds Advogados, a medida traz alívio à base da pirâmide, mas aumenta a pressão sobre quem produz. “O projeto tem dois efeitos claros: de um lado, o alívio para quem ganha até R$ 5 mil; de outro, a cobrança sobre dividendos acima de R$ 600 mil. O problema é que essa compensação recai sobre empresas que já enfrentam uma das maiores cargas tributárias do mundo”, afirma.

Segundo o tributarista, a combinação de Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro já coloca o Brasil em um patamar nominal de 34%, frente à média de 21% nos países da OCDE. “Estamos criando uma camada de tributação sem discutir a redução na pessoa jurídica. A conta fecha no papel, mas pesa na prática”, alerta.

Valverde também critica a falta de correção estrutural na tabela do IR, defasada em mais de 150% segundo estimativas de institutos de pesquisa. “A medida é um alívio, mas não resolve a distorção. Faixas entre R$ 3 mil e R$ 9 mil seguem sendo penalizadas. É um problema histórico, que atravessa governos de diferentes orientações”, pontua.

O especialista vê ainda risco de manobras com a retomada da tributação dos lucros. “Quando o país deixou de tributar dividendos, a fiscalização ficou mais simples. Agora, sem regras claras contra a chamada distribuição disfarçada de lucros — como carros, escolas e outros benefícios — o sistema pode ficar vulnerável. A Receita é sofisticada, mas o risco de brechas é real”, observa.

Ele também critica a velocidade da reforma: “Há acerto em mudar o foco do consumo para a renda, mas a transição está sendo feita de forma atropelada. A reforma do consumo só começa em 2027 e vai até 2032, enquanto a da renda pode valer já em 2026. É uma mudança sem tempo de ajuste”.

Valverde explica que a isenção deve valer ainda neste ano, enquanto a nova cobrança sobre dividendos só poderá ser aplicada a partir de 1º de janeiro de 2026, por força constitucional. Para ele, a proposta cumpre promessa política, mas deixa lacunas técnicas. “O discurso é de justiça tributária, mas a execução pode gerar novas distorções. Sem calibragem, o país corre o risco de punir quem produz e premiar quem dribla o sistema”, conclui.

Fonte: Erlan Valverde, mestre em Direito Tributário Internacional pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT), sócio da área tributária do IW Melcheds Advogados.

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