Ronaldo Nóbrega
Editor Sênior Justiça em Foco
O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou na última quinta-feira (25.set.2025) que ainda não tem clareza sobre o apoio das bancadas à proposta de anistia em análise no Congresso. Segundo ele, o relator do texto, deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), ainda conduz conversas com líderes partidários, e há legendas que não foram ouvidas.
“Não tenho uma temperatura de como está a conversa do relator com as bancadas, preciso de um pouco mais de tempo para entender o sentimento da Casa e decidir se pauto ou não o projeto”, disse Motta em entrevista coletiva.
Senado no horizonte
Questionado sobre a possibilidade de desgaste semelhante ao da PEC das Prerrogativas, aprovada pela Câmara e rejeitada pelo Senado, Motta defendeu que cada Casa tem sua “independência e protagonismo”. Ele negou qualquer clima de traição em relação aos senadores e afirmou que ainda não tratou do tema com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). “O Senado estava atento às movimentações da Câmara. A Câmara cumpriu seu papel, e o Senado entendeu que não devia seguir”, afirmou.
Ricardo Caldas: A anistia como tradição política
O debate atual insere-se em uma longa tradição brasileira de uso da anistia como mecanismo de pacificação. O cientista político Ricardo Caldas, autor do livro Anistia Política no Brasil: A Pacificação Necessária (Brasília, 2025), lembra que desde a Colônia a Coroa portuguesa alternava repressão e perdão como forma de manter a ordem. Na Insurreição Pernambucana (1645-1654), por exemplo, Lisboa concedeu “perdão geral e esquecimento de todas as ofensas” aos luso-brasileiros que colaboraram com os holandeses, evitando o colapso econômico da região.
Durante o Império, D. Pedro I editou decreto de anistia apenas onze dias após a Independência, em 1822, perdoando “todas as passadas opiniões políticas” para integrar províncias resistentes ao novo regime. Já em 1979, a Lei da Anistia sancionada pelo presidente João Figueiredo permitiu a volta de exilados como Leonel Brizola e Miguel Arraes, libertou 565 presos políticos, mas blindou agentes da repressão ao estender o benefício a “crimes conexos”.
Tecnologia de governo
Para professor Ricardo Caldas, a anistia, longe de ser apenas um “esquecimento”, é uma tecnologia política capaz de restaurar o tecido social e evitar ciclos de vingança. Ele cita experiências históricas como o Édito de Nantes, de 1598, e a África do Sul pós-apartheid como exemplos de como o perdão pode reconstruir sociedades profundamente divididas.
No caso brasileiro, afirma o cientista político, a concessão de anistias sempre esteve associada a momentos de transição e de necessidade de pacificação institucional. O impasse atual na Câmara sobre pautar ou não a proposta recoloca a questão central: quando a anistia é gesto de reconciliação e quando se converte apenas em cálculo de conveniência política.
- No início de setembro, o site Justiça em Foco entrevistou Ricardo Caldas, que lançou um livro sobre a anistia no Brasil e defende o perdão como instrumento de pacificação social. Clique no link abaixo para ler a entrevista na íntegra.