Ronaldo Nóbrega
Editor Sênior Justiça em Foco
Uma quinta-feira, 26 de junho de 2025, histórica para o país. A Advocacia-Geral da União encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF) um Plano Transitório para Regularização de Terras Indígenas em litígio judicial. Há nisso mais do que tecnicalidade burocrática. Há a tentativa, elegante e tardia como convém aos ritos da República, de dar consequência a uma decisão do próprio Supremo, que, em setembro de 2023, sepultou de vez a tese do marco temporal. Sim, a decisão já havia sido proferida. Mas, como sempre na história brasileira, o gesto solene precisa de braços práticos. O plano ora apresentado busca ser esse braço. Coordenar com método, indenizar com critério, pacificar sem humilhação.
O documento, extenso e articulado, contempla oito terras indígenas localizadas em Mato Grosso do Sul e Santa Catarina. São territórios onde o conflito entre posse e pertencimento virou hábito. Nele, prevê-se a indenização de 752 ocupantes não indígenas, por meio de precatórios, em valores baseados na tipologia de uso geral do INCRA. Uma equação delicada entre o que se pode pagar e o que não se pode mais negar.
O plano estabelece um procedimento de conciliação sob a égide da Comissão Nacional de Soluções Fundiárias, criada pelo Conselho Nacional de Justiça. Comissões regionais auxiliarão no trabalho de campo, respeitando as especificidades históricas, fundiárias e socioculturais de cada localidade. A Fundação Nacional dos Povos Indígenas, com o devido conhecimento do território, fará o levantamento das sobreposições e apontará as áreas em disputa.
É um trabalho de Estado, não de governo. De quem compreende que a terra, no Brasil, não é uma questão agrária. É uma questão de identidade. E identidade, como bem sabiam os antigos estadistas, não se negocia. Se reconhece.
O plano propõe valores proporcionais, métodos claros, prazos definidos. Mas, como todo pacto que se pretende duradouro, exige mais do que boas intenções. Exige cumprimento. Porque, em nosso país, os documentos nascem entre selos e timbres, mas morrem à míngua no orçamento contingenciado.
O advogado-geral Jorge Messias (foto), que assina o gesto em nome da União, declarou que se trata de um compromisso com a paz e com a justiça. E é isso mesmo. Mas é também um compromisso com a inteligência política. Porque não se governa um país continental com força bruta ou com litígios eternos. Governa-se com acordos bem costurados e com a coragem de reconhecer erros seculares.
Cabe agora ao Supremo homologar o plano. Que o faça. E que a União, finalmente, execute o que promete. Que os ocupantes recebam o que lhes é justo. E que os povos indígenas retomem, com dignidade, o que sempre lhes pertenceu.
O Brasil vive momentos em que se exige grandeza. Esta proposta, se levada a sério, pode ser um gesto à altura. Não resolverá tudo. Mas poderá, ao menos, iniciar o capítulo que ainda falta em nossa história. O da reconciliação verdadeira entre Estado e povo originário.
E se é verdade que nenhuma civilização sobrevive sem respeitar sua origem, então que esta seja a hora de deixar de empurrar a ancestralidade para o rodapé da Constituição. E de finalmente colocá-la onde sempre mereceu estar. No centro da nossa ideia de país.
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