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O Exame de Ordem e a Advocacia: Uma Prova de Fogo para a Credibilidade da OAB

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redacao@justicaemfoco.com.br 23 de junho de 2025
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Por Luciano Martins

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) constitui um dos pilares fundamentais do sistema jurídico nacional, desempenhando um papel que ultrapassa a mera representação corporativa. Desde sua criação, em 1930, por força do Decreto nº 19.408, a entidade foi investida da missão de defender a Constituição Federal, o Estado Democrático de Direito e os direitos fundamentais, projetando-se como guardiã das garantias constitucionais e da legalidade.

A instituição não surgiu de forma isolada. Sua fundação representou o ponto culminante de um longo processo iniciado no século XIX, que buscava regulamentar a profissão, proteger as prerrogativas da advocacia e consolidar o papel do advogado como agente essencial à administração da justiça. Mesmo tendo sido criada sob um governo de feição centralizadora, a OAB nasceu com vocação autônoma e compromisso com a preservação das liberdades públicas.

É nesse contexto que o Exame de Ordem se insere como uma das funções mais sensíveis e relevantes da entidade. Trata-se de um instrumento de controle de qualidade, cujo objetivo é assegurar que apenas os profissionais detentores de conhecimento jurídico adequado ingressem na advocacia. No entanto, sua eficácia depende, inexoravelmente, da clareza, da justiça e da sintonia com a realidade da prática forense.

Por essa razão, o 43º Exame de Ordem impõe à OAB um teste que vai além da avaliação de candidatos: representa um ponto de inflexão institucional e um desafio direto à fidelidade da entidade à sua razão de existir.

A segunda fase do certame, realizada em 15 de junho de 2025, foi marcada por forte controvérsia, especialmente no âmbito do Direito do Trabalho. O gabarito preliminar indicou, de forma exclusiva, a "Exceção de Pré-Executividade" como peça processual correta, desconsiderando alternativas juridicamente válidas e amplamente utilizadas na prática, como os Embargos à Execução e o Agravo de Petição. Tal escolha, criticada por diversos juristas e docentes — entre eles, nomes como Renato Saraiva e Leone Pereira —, foi considerada atípica, sem amparo legal expresso na Consolidação das Leis do Trabalho, e alheia à rotina da advocacia trabalhista.

A ambiguidade do enunciado contribuiu para agravar a insegurança jurídica do exame. Candidatos com sólida formação e raciocínio jurídico apurado optaram por soluções processuais plausíveis, mas foram penalizados por uma banca que adotou uma interpretação excessivamente restritiva. Essa postura comprometeu a isonomia entre os examinandos, ao impor uma leitura única em um cenário que admite múltiplas soluções tecnicamente aceitáveis.

Mais grave do que a falha técnica está sendo a omissão institucional da OAB diante da crise instaurada. Importa sublinhar que, ao substabelecer à Fundação Getulio Vargas (FGV) a responsabilidade técnica pela aplicação do exame, a OAB não se desobriga de seu dever maior: assegurar a lisura, a equidade e a legitimidade de um processo que leva seu nome e sua chancela. A delegação de execução logística não exime a entidade da supervisão integral e da prestação de contas à sociedade e à classe jurídica.

A ausência de manifestação imediata por parte do Conselho Federal gerou apreensão e descrédito. A resposta tardia, que admitiu o Agravo de Petição como peça alternativa válida, foi percebida como insuficiente diante da magnitude do erro original. A retificação parcial do gabarito, embora necessária, não reestabeleceu por completo a confiança no processo avaliativo nem compensou o desgaste causado aos candidatos prejudicados.

O episódio evidencia uma dissonância crescente entre os propósitos institucionais da OAB e sua atuação concreta. O Exame de Ordem, longe de ser um exercício de adivinhação ou de armadilhas interpretativas, deve refletir a complexidade da realidade jurídica e valorizar o raciocínio argumentativo, a lógica processual e a pluralidade de caminhos legítimos que o Direito permite.

A advocacia não se sustenta apenas no tecnicismo, mas na articulação entre conhecimento, sensibilidade e responsabilidade. Um exame que ignora esse equilíbrio compromete não apenas carreiras individuais, mas a própria confiança da sociedade no sistema de justiça.

A condução do 43º Exame, tal como se apresenta, impõe à OAB uma reflexão urgente: é preciso reforçar os mecanismos de fiscalização, rever os critérios de formulação de questões e, sobretudo, resgatar o compromisso com a transparência, a proporcionalidade e o respeito ao raciocínio jurídico dos candidatos. A ausência desses valores compromete a legitimidade do exame e esvazia o sentido da função institucional da Ordem.

A credibilidade de uma entidade como a OAB não se sustenta apenas em sua história, mas na sua disposição permanente para a autocrítica, a correção de rumos e a defesa da justiça em todos os seus aspectos, inclusive no processo de seleção dos futuros integrantes da classe.

O Exame de Ordem deve ser rigoroso, mas nunca arbitrário. Deve ser exigente, mas não desproporcional. Deve ser criterioso, sem se afastar da realidade da advocacia. Ao falhar nesse equilíbrio, a OAB não apenas compromete a avaliação de seus candidatos, mas fragiliza os fundamentos institucionais sobre os quais repousa sua autoridade.

*Luciano Martins é advogado, mestrando em educação pela Universidade Federal do Estado de Mato Grosso do Sul, vice-presidente da União Brasileira de Apoio aos Municípios no Estado de Mato Grosso do Sul e já exerceu funções de destaque na gestão pública, incluindo os cargos de Procurador Municipal de Bandeirantes/MS, Controlador-Adjunto, Secretário Adjunto de Governo e Diretor-Presidente da Funsat em Campo Grande/MS.

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