Entrevista e Debate

Rodrigo Fagundes revela como o TAC pode garantir o futuro da previdência complementar

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Por Ronaldo Nóbrega / Foto: Victor Puppim. 02 de maio de 2025
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Em um cenário marcado pela crescente complexidade das relações regulatórias e pela relevância estratégica da previdência complementar no sistema de seguridade social, torna-se cada vez mais necessária a adoção de instrumentos que privilegiem a resolução consensual de conflitos. Nesse contexto, o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), instituído pela Resolução nº 23/2023 da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC), consolida-se como mecanismo moderno, célere e eficaz para a correção de irregularidades, mitigando a necessidade de processos administrativos ou judiciais prolongados.

Para uma análise aprofundada desse novo paradigma de supervisão, Justiça em Foco entrevista o advogado Rodrigo Fagundes, reconhecido nacionalmente por sua atuação no setor. Com destacada experiência na elaboração de contratos, estatutos e políticas institucionais, o profissional acumula sólida trajetória consultiva e contenciosa, especialmente em demandas envolvendo relações de consumo e entidades do terceiro setor. Atualmente, é Conselheiro Seccional da OAB/DF e preside a Comissão de Previdência Complementar da Seccional no triênio 2025–2027. Também atuou como Assessor Técnico do Conselho Nacional de Secretários de Saúde - CONASS, o que reforça sua ampla vivência em processos regulatórios e institucionais. Com visão técnica e estratégica, Rodrigo Fagundes oferece reflexões essenciais para compreender os avanços, os desafios e a importância do TAC como instrumento de aperfeiçoamento da governança no regime de previdência complementar fechada.

Justiça em Foco: Qual é a relevância do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) no modelo regulatório da previdência complementar fechada?

Rodrigo Fagundes: O TAC representa uma inflexão no paradigma sancionador da regulação previdenciária. Ao incorporar um modelo de conformidade colaborativa, ele viabiliza uma atuação mais resolutiva da PREVIC. Deixa-se de lado, ao menos inicialmente, a lógica estritamente punitiva para adotar um modelo que prioriza a remediação das condutas irregulares, por meio de compromissos formalmente assumidos pelas entidades. Essa mudança aproxima a previdência complementar de práticas já consolidadas em outras áreas, como o Direito Ambiental e o Direito do Consumidor, e permite maior eficiência, celeridade e efetividade na preservação do interesse coletivo.

Justiça em Foco: Como a Resolução PREVIC nº 23/2023 estruturou o TAC no âmbito regulatório?

Rodrigo Fagundes: A Resolução PREVIC nº 23/2023 é o instrumento normativo que consolida e organiza a celebração do TAC. Ela estabelece critérios objetivos de admissibilidade, define elementos obrigatórios como plano de ação, cronograma, indicadores de cumprimento, cláusulas de penalidade e condições de rescisão. Importante destacar que a norma permite a propositura do TAC até a decisão de primeira instância do auto de infração, o que é extremamente estratégico. É uma normativa moderna, alinhada com o princípio da eficiência administrativa, conforme previsto no art. 37 da Constituição Federal.

Justiça em Foco: O TAC tem natureza jurídica de título executivo extrajudicial?

Rodrigo Fagundes: Sim, essa é uma das suas características mais relevantes. Conforme disposto no art. 5º, §6º da Lei nº 7.347/1985, e reafirmado pelo art. 784, IV, do Código de Processo Civil, o TAC tem força de título executivo extrajudicial. Isso significa que, uma vez descumprido, pode ser executado diretamente no Judiciário, sem necessidade de nova comprovação de inadimplemento. Esse atributo confere segurança jurídica e efetividade ao instrumento.

Justiça em Foco: Quais os requisitos mínimos que devem constar em um TAC para garantir sua validade?

Rodrigo Fagundes: O TAC deve apresentar a narrativa clara dos fatos que motivaram sua celebração, a descrição das irregularidades, o plano de ação proposto, prazos, metas de regularização, mecanismos de controle, cláusulas resolutivas e penalidades aplicáveis em caso de descumprimento. Além disso, deve conter a qualificação completa das partes envolvidas e as assinaturas dos representantes legais. O respeito à formalidade é o que confere validade e eficácia jurídica ao compromisso.

Justiça em Foco: Considerando sua atuação na área, poderia detalhar quais são as penalidades previstas em caso de inadimplemento do TAC?

Rodrigo Fagundes: O descumprimento total ou parcial do TAC acarreta penalidades pecuniárias que, conforme a Portaria PREVIC nº 1.133/2023, variam de R$ 62.737,18 a R$ 5.228.097,86. Esses valores são atualizados periodicamente e consideram critérios como gravidade da infração, extensão do dano, porte da entidade e reincidência. Além da multa, a PREVIC pode instaurar processo sancionador e exigir medidas compensatórias.

Justiça em Foco: TAC pode ser utilizado em situações que envolvem déficits atuariais?

Rodrigo Fagundes: Sem dúvida. O TAC tem se mostrado um instrumento valioso para o equacionamento de déficits técnicos, permitindo às Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC´s) a apresentação de planos de ação fundamentados em estudos atuariais. Casos como o do Postalis evidenciam essa aplicabilidade, e o mencionamos devido à publicidade dada ao mesmo, outro preceito previsto na Resolução Previc nº 23/2023, a obrigatoriedade de manter informações relativas ao TAC, em local de fácil acesso em sítio eletrônico na internet. O essencial é que a proposta seja tecnicamente embasada, contenha projeções realistas e esteja alinhada ao princípio da solvência, elemento fundamental para a sustentabilidade dos planos previdenciários. 

Justiça em Foco: Há risco de banalização do TAC ou de seu uso como manobra protelatória?
 
Rodrigo Fagundes: Esse risco existe, mas é mitigado pela própria Resolução Previc nº 23/2023, que estabelece filtros rigorosos de admissibilidade. A PREVIC tem discricionariedade técnica para recusar propostas que não atendam aos critérios legais. Além disso, o uso abusivo pode implicar consequências mais severas à entidade, incluindo aplicação de penalidades agravadas e apuração de responsabilidades pessoais, inclusive civis e administrativas.

Justiça em Foco: O TAC pode ser uma alternativa ao litígio no Judiciário?

Rodrigo Fagundes: Certamente. O TAC evita a judicialização desnecessária, promovendo soluções mais rápidas e menos custosas. Isso está em sintonia com os princípios da autocomposição e da eficiência. O Judiciário é instrumento de controle essencial, mas não pode ser o único canal de resolução de conflitos. O TAC fortalece a lógica do Estado regulador, capaz de dialogar e exigir correções de forma tempestiva e proporcional.

Justiça em Foco: Como a PREVIC realiza o monitoramento dos TACs celebrados?

Rodrigo Fagundes: O acompanhamento é feito com base nos relatórios circunstanciados que as EFPCs devem apresentar periodicamente. Esses relatórios são analisados pelas unidades regionais da autarquia, que, ao constatar irregularidades ou inadimplemento, submetem parecer à Diretoria Colegiada da PREVIC para deliberação. Há, portanto, um ciclo contínuo de monitoramento e responsabilização, em caso de eventual descumprimento. 

Justiça em Foco: Com base na sua experiência, como o setor tem reagido à proposta de celebração de TAC? A assinatura desse instrumento implica, necessariamente, no reconhecimento de culpa por parte da entidade envolvida?

Rodrigo Fagundes: Tenho sido procurado com frequência sobre esse ponto. É importante esclarecer: o TAC não representa uma confissão de culpa. Trata-se de um compromisso com a conformidade, conforme previsto na Resolução nº 23/2023. Ao firmá-lo, a entidade reconhece a necessidade de ajustar determinada conduta à norma, sem que isso implique admissão de ilicitude. Essa distinção é fundamental, pois preserva o direito de defesa e a imagem institucional, ao mesmo tempo em que permite a correção ágil da irregularidade identificada.
Ademais, com o objetivo de sepultar de vez essa dúvida, a própria Resolução Previc nº 23/2023, expressamente no artigo 252 §1º, afirma que a celebração do TAC não importa em confissão do compromissário quanto à matéria de fato, nem reconhecimento de ilícito da conduta analisada. O TAC precisa ser enxergado como uma porta aberta pela PREVIC, para resolução de eventual problema identificado, sem maiores repercussões do ponto de vista de recursos humanos e financeiros, o que sem sombra de dúvida é uma excelente oportunidade.

Justiça em Foco: Quais os principais ganhos institucionais da PREVIC com o uso do TAC?

Rodrigo Fagundes: A PREVIC reforça seu papel estratégico de órgão indutor da regularidade e da governança. Com o TAC, amplia sua efetividade, racionaliza esforços e moderniza sua atuação, alinhando-se a princípios como eficiência, economicidade e razoabilidade. Trata-se de um modelo inteligente de enforcement regulatório.

Justiça em Foco: Acredita que o TAC fortalece a imagem institucional da EFPC?

Rodrigo Fagundes: Sim. Assinar um TAC revela compromisso com a integridade e responsabilidade institucional. As entidades que buscam regularização voluntária demonstram maturidade e sensibilidade ao ambiente regulatório, o que pode repercutir positivamente na relação com patrocinadores, participantes e órgãos de controle.

Justiça em Foco: Como o TAC impacta os participantes e assistidos dos planos de previdência?

Rodrigo Fagundes: O impacto é direto e positivo. Ao promover correções tempestivas de irregularidades, o TAC contribui para a estabilidade dos planos e evita riscos sistêmicos. Os participantes ganham em segurança, previsibilidade e confiança no sistema previdenciário. A lógica é proteger o interesse coletivo com soluções ágeis, econômicas e eficazes.

Justiça em Foco: O TAC é aplicável em qualquer fase do processo administrativo?

Rodrigo Fagundes: A Resolução nº 23/2023 permite sua celebração até a decisão de primeira instância do auto de infração. Essa delimitação garante previsibilidade ao procedimento e evita o uso do TAC como instrumento dilatório em instâncias recursais. É uma delimitação que equilibra oportunidade com responsabilidade.

Justiça em Foco: Qual o papel da advocacia nesse contexto de celebração e cumprimento do TAC?

Rodrigo Fagundes: A advocacia exerce um papel central na estruturação jurídica da proposta, na negociação dos termos, na definição das estratégias de regularização e no acompanhamento da execução do TAC. Essa atuação exige do profissional não apenas conhecimento técnico especializado, mas também capacidade de articulação institucional. Trata-se de uma função preventiva, estratégica e essencial para a segurança jurídica do instrumento. Tenho buscado ressaltar essa relevância junto aos colegas, no exercício da presidência da Comissão de Previdência Complementar da OAB/DF.

Justiça em Foco: Há espaço para que o TAC se expanda para outras frentes regulatórias da previdência?

Rodrigo Fagundes: Sim. O modelo tem potencial para ser replicado no Regime Geral de Previdência Social e, com as devidas adaptações, até mesmo no regime próprio dos servidores públicos. Importante ressalvar, que essa expansão depende de arcabouço normativo compatível e da maturidade institucional dos entes reguladores. O mais importante é preservar os princípios de legalidade, resolutividade e transparência.

Justiça em Foco: O TAC promove mais transparência no sistema regulatório?

Rodrigo Fagundes: Sem dúvida, os termos celebrados devem estar acessíveis à sociedade e aos órgãos de controle. A publicidade dos atos, ainda que com a devida proteção às informações sensíveis, permite o escrutínio externo e reforça a legitimidade do modelo. A transparência é condição indispensável para que o TAC seja compreendido como um instrumento de fortalecimento institucional — e não como sinal de condescendência.

Justiça em Foco: Para concluir, qual a mensagem final que o advogado deixaria às entidades sobre a importância do TAC?

Rodrigo Fagundes: O TAC é um instrumento institucional legítimo que promove ajustes e amadurecimento regulatório. Quando encarado com seriedade, representa uma oportunidade de fortalecer a governança, prevenir litígios e preservar a confiança no sistema. Entidades que compreendem esse valor estratégico estarão mais preparadas para os desafios do setor de previdência complementar.