Por Priscila Ferreira, advogada empresarial, especialista no mercado de tecnologia e inovação, Direito Digital, compliance e fundadora da infer assessoria.
Em um ambiente de hiperconectividade, regulação crescente e consumidores mais atentos à ética empresarial, crises de imagem deixaram de ser exceção para se tornarem risco constante no setor de tecnologia. Reduzir o jurídico a um agente apenas reativo é um equívoco: hoje, essa área deve ocupar posição central na prevenção e no gerenciamento de crises, atuando em conjunto com a comunicação corporativa. Essa integração garante respostas mais ágeis, transparentes e juridicamente seguras, protegendo não só a reputação, mas também a sustentabilidade do negócio.
Crises de imagem em empresas de tecnologia não são uma hipótese remota, são uma realidade recorrente. Vazamentos de dados pessoais, ataques cibernéticos, recalls de produtos, falhas graves em sistemas, disputas com reguladores sobre privacidade e incidentes de compliance estão entre os riscos mais frequentes. Casos emblemáticos, como o escândalo da Cambridge Analytica com o Facebook — que expôs dados de cerca de 87 milhões de usuários — ou o recall dos aparelhos Galaxy Note pela Samsung, que gerou prejuízos estimados em US$ 5 bilhões, demonstram como a ausência de respostas coordenadas entre comunicação e jurídico pode agravar danos e comprometer a confiança do público.
O papel estratégico do jurídico começa muito antes da eclosão de um incidente. Cabe a essa área mapear riscos, estruturar planos de contingência, definir diretrizes claras de comunicação e orientar preventivamente líderes e colaboradores. Quando a crise se instala, o jurídico deve garantir que a resposta da empresa esteja em conformidade com a legislação, assegurando que mensagens oficiais não alimentem litígios em andamento nem infrinjam regulamentos. Esse equilíbrio, no entanto, não pode jamais significar omissão de informações de interesse público. O verdadeiro desafio, e também a chave para respostas eficazes, está em alinhar a proteção legal com a transparência e a responsabilidade social.
Na prática, isso exige integração real entre jurídico e comunicação. Protocolos conjuntos, comitês de crise multidisciplinares, reuniões periódicas e o uso de plataformas digitais seguras para registro de decisões são medidas essenciais. Além disso, treinamentos constantes garantem que as equipes saibam atuar sob pressão, evitando erros comuns como a comunicação desalinhada, o excesso de confidencialidade, a demora nas respostas públicas e a falta de protocolos preventivos. Pesquisas do Sebrae reforçam essa tese: empresas com protocolos bem definidos e treinamentos frequentes reduzem em até 30% os impactos financeiros e reputacionais de crises, enquanto aquelas que falham nesse alinhamento sofrem danos mais prolongados à imagem.
No setor de tecnologia, esse alinhamento é ainda mais urgente. Normativas como a LGPD no Brasil, a GDPR na Europa e as novas regulações para inteligência artificial impõem um nível de rigor inédito sobre tratamento de dados, transparência e tempo de resposta. Hoje, não se trata apenas de uma questão reputacional, mas de sobrevivência empresarial: um vazamento de dados ou uma falha de segurança pode resultar em multas milionárias, perda de valor de mercado e, sobretudo, erosão de confiança do público. A intensificação das fiscalizações pela ANPD e pela União Europeia reforça esse cenário de pressão regulatória, exigindo que empresas demonstrem capacidade de resposta quase imediata.
Dessa forma, a atuação isolada de qualquer área é insuficiente. O jurídico, sozinho, não consegue proteger a imagem da companhia; da mesma forma, a comunicação não pode arriscar declarações públicas sem respaldo legal. É justamente na interdisciplinaridade que reside a chance de sucesso: o jurídico garante conformidade e reduz riscos de sanções, enquanto a comunicação assegura clareza e consistência na narrativa. Empresas que compreendem essa integração não apenas enfrentam crises com mais solidez, mas transformam a transparência em ativo competitivo, convertendo um momento de vulnerabilidade em oportunidade de reforçar credibilidade.
É preciso abandonar de vez a visão ultrapassada do jurídico como setor meramente defensivo. O jurídico, quando integrado à comunicação, atua como um verdadeiro guardião da reputação corporativa, ajudando a construir respostas sólidas e éticas diante das crises inevitáveis que marcam o ambiente digital. A integração entre prevenção legal e clareza comunicacional não é apenas uma boa prática: é uma condição de sobrevivência para empresas de tecnologia que desejam manter relevância e credibilidade em um mercado cada vez mais exigente.
*Formada há mais de 11 anos, com experiência jurídica trabalhista, empresarial, em Direito para as Startups, Digital e no setor de Departamento Pessoal. É especialista pela Universidade Cândido Mendes no Estado do Rio de Janeiro, em compliance e Direito para as Startups pela FGV e em estrutura/viabilização das empresas, principalmente nos setores de tecnologia e da informação pela USP.