Por Lourenço Grieco
O tema da sustentabilidade e da transição para uma economia de baixo carbono está cada vez mais presente na pauta das empresas brasileiras. Com a regulamentação do mercado de créditos de carbono pela Lei nº 15.042/2024, que instituiu o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), e a aprovação da Reforma Tributária, formalizada pela Emenda Constitucional 132/2023, torna-se fundamental entender como funciona a tributação desses ativos e quais mudanças se desenham para o futuro.
Atualmente, os créditos de carbono são definidos legalmente como ativos intangíveis. Para empresas que os geram ou adquirem para compensar emissões próprias, são registrados no ativo e podem ser amortizados, reduzindo a base tributável do IRPJ e da CSLL. Já para companhias que atuam diretamente na compra e venda, a receita é classificada como resultado operacional, sujeita à incidência de IRPJ (25%) e CSLL (9%).
O setor ganhou estímulo com a isenção de PIS e COFINS sobre a receita proveniente da venda de créditos, prevista na Lei nº 15.042/2024. A medida reduziu custos e incentivou a criação de projetos ambientais. Algumas cidades, como o Rio de Janeiro, também reduziram alíquotas de ISS, reforçando os estímulos ao desenvolvimento sustentável.
Esse cenário, contudo, deve mudar com a Reforma Tributária. O novo sistema prevê a criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de âmbito federal, e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência estadual e municipal. Ambos terão incidência ampla, abrangendo inclusive bens intangíveis como os créditos de carbono. Na prática, a atual isenção de PIS e COFINS tende a desaparecer, elevando a carga tributária sobre a comercialização desses ativos.
Ainda não há definição detalhada, mas espera-se que leis complementares criem regras específicas para setores estratégicos. Isso abre espaço para incentivos que preservem a competitividade do mercado de carbono, considerando seu papel central na agenda de descarbonização e nos compromissos ambientais do Brasil.
Mais do que uma questão fiscal, o funcionamento do mercado depende da dinâmica do SBCE, baseado no modelo cap-and-trade. Setores regulados passam a ter limites de emissões, devendo reportar, monitorar ou compensar o que excederem. Quem ultrapassar limites terá de adquirir créditos, enquanto quem reduzir além do exigido poderá negociá-los. Esse mecanismo cria um mercado de ativos financeiros e amplia oportunidades de receita e inovação para empresas que investirem em tecnologias limpas.
O SBCE incide sobre setores como energia, transportes, resíduos e indústria, mas deixou a agropecuária de fora da obrigatoriedade. Ainda assim, sua participação voluntária tende a ser significativa, já que práticas como integração lavoura-pecuária-floresta e reflorestamento têm alto potencial de geração de créditos certificados. O agronegócio e as florestas assumem protagonismo econômico, ambiental e reputacional.
Outro ponto relevante é a integração internacional prevista na lei. Ao permitir conexões com mercados estrangeiros, o Brasil amplia a competitividade de seus produtos e serviços e se posiciona de forma estratégica. A neutralidade de carbono já é requisito em diversas cadeias globais, agregando valor no comércio exterior e atraindo investimentos.
Os efeitos práticos vão além da negociação de créditos. A obrigatoriedade de reportar emissões, implementar planos de monitoramento e comprovar compensações exige governança sólida, inventários precisos e controles auditáveis. Empresas que não cumprirem regras estarão sujeitas a sanções, enquanto as que se anteciparem poderão conquistar benefícios como fortalecimento de marca, abertura de mercados e acesso facilitado a linhas de financiamento.
A dimensão financeira também merece destaque. O BNDES já sinalizou interesse em adquirir créditos certificados, reforçando o potencial do setor como motor de investimentos. Além disso, a expansão do mercado fomenta consultorias, auditorias independentes e plataformas de negociação, fortalecendo toda a cadeia de valor associada à agenda climática.
Ao lado dos aspectos econômicos, o sistema traz impactos sociais e ambientais. Projetos de reflorestamento, energia renovável e economia circular reduzem emissões, mas também geram emprego, renda e proteção de comunidades tradicionais e povos indígenas, contemplados expressamente pela legislação. Assim, o mercado de carbono se consolida como instrumento de mitigação climática e de desenvolvimento sustentável inclusivo.
Na prática, o que se desenha é um ambiente regulatório mais exigente, que combina gestão tributária, compliance ambiental e visão estratégica. Para navegar nesse cenário, será indispensável revisar planejamentos fiscais, acompanhar a evolução legislativa e contar com especialistas capazes de integrar tributação, sustentabilidade e governança corporativa.
O mercado de carbono já ocupa posição central na agenda ESG. As próximas etapas da Reforma Tributária e a consolidação do SBCE vão definir os contornos de desafios e oportunidades, equilibrando arrecadação, inovação empresarial e compromissos ambientais. Estar preparado significa não apenas evitar riscos, mas assumir protagonismo em uma das pautas mais relevantes do futuro próximo.
Lourenço Grieco é sócio da Nogueira Grieco Advogados, Mestre em Direito Constitucional pela PUC-SP e professor titular na UNIESP. Atua há mais de 10 anos em Direito Administrativo, com experiência em pareceres, teses jurídicas e execuções contra a Fazenda Pública.