
Por Inácio Feitosa
Advogado, escritor e diretor-fundador do Instituto IGEDUC.
A contratação irregular de Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e Agentes de Combate às Endemias (ACE) tem se tornado uma das principais causas de sanções administrativas contra prefeitos em todo o país. Embora essenciais para o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS), esses profissionais não podem ser admitidos por meio de contratos temporários ou terceirizações indevidas, conforme determina a legislação federal.
Nos últimos anos, Tribunais de Contas e Ministérios Públicos estaduais têm intensificado a fiscalização sobre esse tipo de irregularidade, classificando-a como grave violação à Constituição Federal e à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Em diversos municípios, a prática já resultou na rejeição de contas e na abertura de ações por improbidade administrativa, com consequências políticas e patrimoniais para os gestores.
A Regra É Clara e Está na Constituição
A Lei Federal nº 11.350/2006, que regulamenta as atividades dos agentes comunitários e de endemias, estabelece em seu artigo 9º que a contratação desses profissionais deve ser obrigatoriamente realizada por meio de processo seletivo público. Trata-se de uma norma de eficácia plena, diretamente vinculada aos princípios constitucionais da administração pública — legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência — previstos no artigo 37 da Constituição Federal.
Essas funções são consideradas permanentes, pois integram a Estratégia Saúde da Família (ESF), política pública de caráter contínuo. Por essa razão, o artigo 16 da mesma lei proíbe contratações temporárias, exceto em situações emergenciais, como surtos epidêmicos comprovados. A jurisprudência tem sido firme: o Tribunal de Justiça do Ceará e outras cortes estaduais têm anulado processos seletivos simplificados e contratos temporários firmados sem a comprovação da excepcionalidade exigida.
O Preço da Gestão Ilegal
O Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o Recurso Extraordinário nº 658.026, estabeleceu quatro requisitos cumulativos para a validade de contratações temporárias no serviço público: prazo predeterminado, necessidade temporária, interesse público excepcional e indispensabilidade da contratação. Na prática, as atividades de agentes de saúde e de endemias não se enquadram em nenhum desses critérios, por terem natureza permanente.
A inobservância dessas regras coloca o gestor em situação de risco jurídico e político. O Tribunal de Contas do Paraná, por exemplo, multou o prefeito de Bocaiúva do Sul por contratações irregulares (Acórdão nº 1446/18), e a irregularidade resultou em recomendação de rejeição de contas. Casos semelhantes já foram identificados em Pernambuco, Bahia e Minas Gerais, com responsabilização de prefeitos por danos ao erário e violação aos limites da LRF.
A violação da lei também pode configurar ato de improbidade administrativa, nos termos da Lei nº 8.429/1992, sujeitando o gestor a sanções severas: perda da função pública, suspensão dos direitos políticos e pagamento de multa civil. Em decisões recentes, tribunais têm reconhecido que, diante da clareza da norma, não há espaço para alegação de desconhecimento ou erro justificável por parte dos prefeitos.
Controle e Responsabilidade
Os órgãos de controle externo, como os Tribunais de Contas e o Ministério Público, têm ampliado o uso de auditorias eletrônicas e cruzamento de dados para identificar vínculos irregulares. O cruzamento das folhas de pagamento municipais com bases do CNES (Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde) permite detectar rapidamente contratos precários. Essa modernização tem reduzido o espaço para práticas informais e ampliado a responsabilização dos gestores.
Especialistas em direito administrativo alertam que, além do risco jurídico, a contratação irregular compromete a governança municipal, gera insegurança entre os servidores e enfraquece o sistema de atenção básica. Um processo seletivo público bem estruturado, por outro lado, garante transparência, meritocracia e estabilidade institucional, além de representar um investimento em legalidade e eficiência.
Segurança Jurídica e Governança
A realização de seleções públicas sérias e tecnicamente conduzidas, com apoio de instituições especializadas e credenciadas, como o Instituto IGEDUC, oferece aos municípios uma alternativa segura e economicamente viável. O instituto realiza todas as etapas do processo seletivo, inclusive o curso de formação introdutório exigido por lei, muitas vezes sem custo direto para a administração.
Mais do que uma exigência legal, a contratação regular é um pilar da boa gestão pública. Ao cumprir a lei, o prefeito protege o erário, preserva sua reputação política e reforça o compromisso com a transparência e a eficiência.