Por Matheus Kniss
Constituição determina que, quando o falecido ou o doador tem domicílio fora do Brasil, só uma lei complementar federal poderia autorizar a cobrança. Porém, lei nunca foi editada
O Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) — também conhecido em alguns estados como ITCD ou ITD — é um tributo estadual que incide sobre heranças e doações. Mas há um detalhe importante: quando o falecido ou o doador tem domicílio no exterior, a cobrança fica em um limbo jurídico.
Isso acontece porque a Constituição Federal (art. 155, §1º, III, "a") determina que, nesses casos, só uma lei complementar federal poderia autorizar a cobrança. O problema é que o Congresso Nacional nunca editou essa lei — e não há sinais de que vá fazê-lo em breve.
STF consolida entendimento
Nos últimos anos, alguns estados tentaram driblar essa ausência legislativa. São Paulo, por exemplo, editou a Lei n. 10.705/2000, que autorizava a cobrança. O Supremo Tribunal Federal (STF), porém, declarou essa norma inconstitucional em 2021 (RE 851108, com repercussão geral). A Corte firmou a tese: sem lei federal, os estados não podem instituir ou cobrar ITCMD sobre bens ou direitos localizados no exterior.
2025, a ministra Cármen Lúcia reforçou esse posicionamento em duas decisões marcantes:
Doação do Reino Unido para beneficiário paulista (RE 1553620) — O STF manteve decisão do TJSP que afastou a cobrança por inexistência de base legal válida. A Procuradoria-Geral da República (PGR) apoiou o entendimento.
Sucessão envolvendo quotas em empresa nas Ilhas Britânicas — Novamente, a ministra reiterou: mesmo após a Reforma Tributária (EC 132/2023), segue sendo indispensável a edição de lei complementar federal.
Reforma Tributária e a confusão normativa
A EC 132/2023 abriu espaço para que, na falta da lei federal, os estados apliquem suas próprias regras. No entanto, como a lei paulista foi declarada inconstitucional, ela não pode "reviver" automaticamente. O STF já deixou claro: não existe constitucionalidade superveniente. Ou seja, uma lei derrubada não volta a valer sem nova edição legislativa.
Ainda assim, alguns estados tentam regulamentar o tema. O Paraná, por exemplo, já criou nova norma; Minas Gerais e Rio de Janeiro, por outro lado, seguem sem legislação válida; Santa Catarina já possuía legislação prevendo a progressividade do ITCMD, até o limite de 8%. Em São Paulo, tramitam o PL nº 7/2024 e o PL nº 199/2025, mas nenhum foi aprovado até agora.
Impactos práticos
A consequência é dupla. Para os contribuintes, cresce a insegurança jurídica na hora de planejar heranças e doações internacionais. Para os estados, há perda de arrecadação: só em São Paulo, a receita com ITCMD entre janeiro e julho de 2025 foi de R$ 2,7 bilhões, cerca de 43% a menos que no mesmo período de 2024.
O que esperar?
Enquanto o Congresso não editar a lei complementar, os estados ficam de mãos atadas. O STF é categórico: não se pode cobrar ITCMD sobre heranças e doações vindas do exterior sem base legal federal. Tentar usar leis estaduais já invalidadas é ferir os princípios da legalidade tributária e da segurança jurídica.
Até que a norma seja criada, a cobrança permanece vedada — restando aos estados apenas aguardar ou aprovar leis que respeitem os limites da Constituição.
Matheus Kniss é especialista em planejamento sucessório e patrimonial, negócios e reestruturações societárias no Rücker Curi Advocacia e Consultoria Jurídica.