Para especialistas, decisão busca coibir distorções, garantir transparência e fortalecer a confiança no uso legítimo da recuperação judicial
Em decisão considerada excepcional, o juiz responsável pela recuperação judicial da Fazenda Consentini, cujo passivo supera R$ 1,2 bilhão, determinou a substituição do administrador judicial do caso. A medida, embora incomum, visa garantir maior segurança jurídica e preservar os direitos dos credores, especialmente os titulares de garantias fiduciárias.
A decisão do juiz Gerson Fernandes Azevedo, da 1ª Vara Cível, Falências e Recuperações Judiciais de Gurupi (TO), foi motivada por falhas graves na condução do processo, como omissões na elaboração da lista de credores e erros na classificação dos créditos. Segundo o magistrado, tais falhas comprometem a legalidade do procedimento e colocam em risco a confiança dos envolvidos na recuperação.
Para o advogado Armin Lohbauer, especialista em Contencioso Cível do Barcellos Tucunduva Advogados, a substituição está amparada pela Lei de Recuperação de Empresas (Lei nº 11.101/2005), que exige do administrador judicial diligência e imparcialidade no exercício de suas funções. "A correta classificação dos créditos é essencial para definir quem participa da recuperação e em que condições. A inclusão indevida de créditos excluídos pela lei gera insegurança e litígios desnecessários", afirma.
O especialista destaca que, embora a troca de administrador seja uma medida de exceção, ela pode trazer benefícios significativos. "Para os credores, representa maior garantia de respeito aos seus direitos e evita distorções no quórum de votação da assembleia. Para o processo, reduz o risco de impugnações em massa e atrasos adicionais. Em suma, troca-se uma instabilidade de curto prazo por um ganho de previsibilidade e segurança jurídica", explica.
A Fazenda Consentini, como produtora rural, apresenta particularidades que tornam a atuação do administrador judicial ainda mais sensível. "Há uma predominância de garantias fiduciárias sobre bens, recebíveis e produtos da safra. Uma classificação incorreta pode inflar artificialmente o passivo e afetar diretamente a legitimidade das deliberações. Para os credores extraconcursais, é essencial garantir que não sejam forçados a participar de um processo do qual estão legalmente excluídos", conclui Lohbauer.
A substituição do administrador judicial reforça a importância da observância rigorosa da legislação e da atuação técnica e imparcial dos profissionais envolvidos em processos de recuperação, especialmente em casos de grande porte e complexidade como este.
Para o advogado André Aidar, sócio e head de Direito do Agronegócio no Lara Martins Advogados, o crescimento dos pedidos de recuperação judicial no agronegócio é um reflexo da maturidade do setor e da profissionalização da gestão das empresas rurais. "Durante muitos anos, o produtor rural operou em um ambiente de alta volatilidade de preços e pouca previsibilidade jurídica. A partir das alterações da Lei nº 14.112/2020 e do reconhecimento do produtor como empresário, o instituto passou a ser mais acessível, servindo como um instrumento legítimo de reestruturação", explica.
Aidar ressalta, contudo, que o uso legítimo da recuperação judicial depende da coerência entre a realidade econômica do produtor e a boa-fé na condução do processo, com transparência contábil e aderência a parâmetros técnicos de governança. "O uso indevido — como tentativa de blindagem patrimonial — precisa ser coibido pela atuação rigorosa do Judiciário e pela qualificação dos profissionais envolvidos. Perícias mal conduzidas e planos genéricos descredibilizam o instituto", alerta.
O especialista chama atenção ainda para o impacto econômico das falhas processuais: "Quando o mercado observa insegurança jurídica, lentidão ou decisões desalinhadas com a realidade econômica, o resultado é o encarecimento do crédito e a retração das linhas de financiamento. A previsibilidade processual é um fator econômico: quanto maior a segurança jurídica, menor o custo de capital para o setor", completa.
Armin Lohbauer: advogado especialista em Contencioso Cível do Barcellos Tucunduva Advogados.
André Aidar: sócio e head de Direito do Agronegócio no Lara Martins Advogados, é professor de Direito Comercial e Direito Processual Civil, doutor e mestre em Agronegócio (UFG), especialista em Análise Econômica do Direito (Universidade de Lisboa), em Direito Empresarial (FGV) e em Direito Processual Civil (UFU).