MAIS RECENTES
 

Foco Judiciário

STJ encarna a urgência da vida que os planos de saúde ignoram

Copyright Gustavo Lima/STJ
Imagem do Post
Ronaldo Nóbrega 09 de outubro de 2025
Ouça este conteúdo
1x

Ronaldo Nóbrega

Editor Sênior Justiça em Foco

A decisão da ministra Daniela Teixeira, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que obrigou a Unimed Campo Grande/MS a autorizar uma cirurgia intracraniana urgente para uma paciente com tumor cerebral em estágio avançado, ultrapassa o caso individual. Ela recoloca em discussão um tema sensível e recorrente no país: até onde vai o poder contratual dos planos de saúde diante do direito fundamental à vida.

A paciente, de 55 anos, vinha enfrentando um tumor em evolução desde 2020. Segundo o laudo médico, o quadro havia se agravado, com risco de complicações neurológicas severas. O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul havia negado a liminar, sob o argumento de que não houve recusa total do tratamento, mas divergência técnica quanto aos materiais cirúrgicos. Também considerou que o lapso de oito meses entre a negativa e a ação afastaria o perigo de dano.

A ministra entendeu que o tempo da Justiça não pode se sobrepor ao tempo da medicina. Ao conceder a tutela, superou barreiras processuais, já que o recurso ainda aguardava admissibilidade no tribunal de origem, e determinou a realização do procedimento em até cinco dias.

O gesto foi amparado em jurisprudência consolidada do STJ, segundo a qual é abusiva qualquer cláusula que exclua o custeio de materiais indispensáveis ao tratamento de doença coberta pelo contrato. Para Daniela Teixeira, a recusa indevida agrava a aflição psicológica de pacientes já fragilizados, e a urgência do caso impunha uma resposta imediata.

A fronteira entre contrato e vida

A decisão reacende um debate cada vez mais frequente nos tribunais: a judicialização da saúde. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, mais de dois milhões de ações tramitam no país envolvendo cobertura de planos de saúde. O fenômeno revela um impasse estrutural, de um lado operadoras que alegam custos crescentes e necessidade de equilíbrio financeiro, de outro pacientes que veem na Justiça o último recurso para garantir o tratamento.

Especialistas afirmam que o STJ tem buscado um equilíbrio pragmático. O tribunal não ignora a existência dos contratos, mas reafirma que a dignidade humana é cláusula inegociável. Em decisões semelhantes, a Corte tem reconhecido que o plano pode limitar procedimentos, porém, não pode negar o essencial à preservação da vida.

A análise da ministra Daniela Teixeira segue essa linha. Há um componente ético evidente: o reconhecimento de que o direito não é apenas um conjunto de normas, contudo, um instrumento de proteção da existência.

O Judiciário como último refúgio

Mais do que o mérito jurídico, o caso expõe a fragilidade de um sistema em que o cidadão precisa recorrer ao STJ para garantir uma cirurgia vital. Quando a decisão judicial se torna o único caminho, revela-se o descompasso entre as regras de mercado e a urgência da vida.

O episódio também ilustra um dilema contemporâneo. O Judiciário, chamado a intervir em temas médicos, acaba desempenhando um papel que, em tese, deveria ser do próprio sistema de saúde, público ou privado.

Ao decidir, Daniela Teixeira reafirmou a função humanizadora da Justiça. Sua decisão, técnica e compassiva, devolve à toga um sentido que muitas vezes se perde no formalismo. Em meio à engrenagem fria dos contratos e das tabelas, a ministra escolheu o que parece óbvio, entretanto, é cada vez mais raro: a defesa incondicional da vida.

Arquivos

Compartilhe!