O uso de inteligência artificial (IA) no Judiciário brasileiro, antes restrito a projetos-piloto, vem ganhando espaço e despertando debates sobre eficiência, transparência e riscos constitucionais. Tribunais já utilizam sistemas automatizados para triagem de processos, elaboração de minutas e até sugestões de sentenças em casos de massa. O movimento reflete uma tendência mundial, mas, no Brasil, ocorre em meio a uma realidade de forte judicialização de temas políticos e polarização social.
Defensores da tecnologia argumentam que a IA pode ser a resposta para a sobrecarga processual, agilizando julgamentos e liberando magistrados para se dedicarem a casos complexos. No entanto, especialistas alertam que, sem regulamentação clara, há o risco de violação de garantias fundamentais, especialmente em processos criminais e de grande repercussão social.
Para o advogado Dr. Robert Beserra, o entusiasmo com a inovação precisa ser acompanhado de cautela: "A inteligência artificial pode ser uma aliada na eficiência do Judiciário, mas jamais pode substituir o papel humano do magistrado. O risco de decisões automáticas, sem transparência sobre os critérios técnicos do algoritmo, é incompatível com o Estado de Direito".
Um dos pontos mais sensíveis envolve o princípio do juiz natural, previsto no artigo 5º da Constituição. Se a decisão judicial passa a depender de parâmetros programados por sistemas, quem garante a imparcialidade? "A sociedade precisa confiar que a decisão judicial foi tomada por um juiz independente, não por uma 'caixa-preta' tecnológica cujo funcionamento ninguém consegue auditar", afirma Dr. Robert.
A ausência de regulação específica agrava as preocupações. Embora o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tenha editado resoluções sobre inovação, ainda não há normas que definam limites claros para o uso da IA no processo penal. O receio é que, em nome da eficiência, o Judiciário acabe relativizando direitos como a ampla defesa e o contraditório. "A tecnologia pode acelerar a tramitação de casos repetitivos, mas nunca deve decidir sobre a liberdade ou a responsabilidade penal de um indivíduo. O risco de transformar a IA em instrumento de conveniência processual é alto demais", alerta o criminalista.
No campo internacional, experiências recentes mostram que erros de algoritmos podem gerar graves injustiças. Nos Estados Unidos, softwares de análise de reincidência foram acusados de enviesar sentenças contra minorias raciais. Para especialistas, esse é um exemplo de como vieses invisíveis podem comprometer a legitimidade das decisões.
No Brasil, onde o Judiciário exerce papel central na estabilidade institucional, a introdução da IA carrega o peso ainda maior. "Se o cidadão passar a acreditar que não é julgado por um juiz, mas por um robô, a confiança no sistema entra em colapso. E sem confiança, não há Justiça", conclui Dr. Robert Beserra.
Assim, a discussão sobre inteligência artificial nos tribunais brasileiros vai muito além da eficiência. Trata-se de definir se a tecnologia será usada como instrumento de fortalecimento da Justiça ou se representará uma ameaça silenciosa às garantias constitucionais que sustentam a democracia.