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Herança confirmada por DNA indireto e os limites da prova genética no Brasil

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redacao@justicaemfoco.com.br 29 de setembro de 2025
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Caso internacional reabre discussão sobre validade da prova genética em disputas sucessórias e seus impactos em famílias empresárias

Um caso internacional recente chamou atenção ao reconhecer um homem de 35 anos como herdeiro de um empresário falecido em 2011 com base em uma prova inusitada: a análise de DNA feita a partir de saliva do avô paterno, coletada do solo por um detetive privado. O material foi considerado suficiente para confirmar o vínculo biológico e garantir ao autor o direito a uma herança milionária.

No Brasil, especialistas avaliam que situações semelhantes poderiam gerar intensos debates jurídicos e forenses. Segundo Wagner Oliveira Pereira Junior, advogado da Michelin Sociedade de Advogados e pós-graduado em Direito de Famílias e Sucessões pela PUC/PR, a Justiça brasileira admite a prova genética obtida de forma indireta "quando a coleta direta é impossível, excessivamente gravosa ou injustificadamente recusada". Ele destaca que o Superior Tribunal de Justiça já aceitou, por exemplo, exames realizados com avós ou tios, exumação de restos mortais em caráter excepcional e coleta de objetos pessoais, desde que determinada judicialmente e com cadeia de custódia preservada.

As implicações sucessórias também são relevantes. "O filho reconhecido judicialmente após a morte é herdeiro necessário e tem direito à legítima, o que pode levar a sobrepartilha, petição de herança e recomposição de participações em empresas familiares. Em estruturas societárias, esse reconhecimento pode afetar acordos de sócios, testamentos e doações, exigindo medidas preventivas de compliance sucessório", afirma Wagner.

Já do ponto de vista técnico-forense, Caroline Daitx, médica especialista em Medicina Legal e Perícia Médica, ressalta que provas obtidas de fontes indiretas, como escovas de dentes ou bitucas de cigarro, só são aceitas quando acompanhadas de laudo oficial. "A cadeia de custódia é essencial: coleta por perito habilitado, lacração e documentação de todo o percurso da amostra. Materiais obtidos sem ordem judicial ou por detetives particulares correm alto risco de impugnação, por violarem direitos de privacidade", alerta.

Outro ponto sensível é a recusa ao exame de DNA. A Súmula 301 do STJ prevê presunção relativa de paternidade em caso de recusa injustificada. Para Wagner, "não se admite coerção física; o juiz deve ponderar as razões da recusa, mas pode adotar meios alternativos de prova, sempre em respeito à intimidade e à dignidade da pessoa".

O caso reforça a importância do planejamento sucessório e do controle judicial na produção de provas genéticas. Para Caroline, "exames de DNA indiretos podem ser válidos, mas só têm peso real quando feitos dentro dos parâmetros técnicos e legais, com supervisão do Judiciário".

A discussão evidencia como a tecnologia forense e o direito sucessório se entrelaçam em disputas cada vez mais complexas, sobretudo em famílias empresárias ou de alto patrimônio. O debate deve ganhar força no Brasil, onde o uso de provas indiretas, aliado às demandas sucessórias, pode redefinir estratégias jurídicas em inventários e litígios familiares.

Caroline Daitx, médica especialista em medicina legal e perícia médica. Possui residência em Medicina Legal e Perícia Médica pela Universidade de São Paulo (USP). Atuou como médica concursada na Polícia Científica do Paraná e foi diretora científica da Associação dos Médicos Legistas do Paraná. Pós-graduada em gestão da qualidade e segurança do paciente. Atua como médica perita particular, promove cursos para médicos sobre medicina legal e perícia médica.

Wagner Oliveira Pereira Junior, advogado da Michelin Sociedade de Advogados, pós-graduado em Direito de Famílias e Sucessões pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).

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