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Mãe larga o trabalho para proteger filho de 7 anos do bullying; Justiça condena Santos e ONG

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redacao@justicaemfoco.com.br 13 de setembro de 2025
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Ronaldo Nóbrega

Editor Sênior Justiça em Foco

O município de Santos, no litoral de São Paulo, e a Pró Viver Obras Sociais e Educacionais foram condenados a pagar, solidariamente, uma indenização de R$ 15 mil a um aluno de 7 anos por situações reiteradas de bullying nas dependências da UME Dr. Fernando Costa e da associação social Pró Viver, ocorridas no ano passado.

O juiz Bruno Nascimento Troccoli, da 3ª Vara da Fazenda Pública da cidade, entendeu que a administração pública e a instituição foram negligentes na adoção de providências efetivas e preventivas para sanar as agressões físicas e psicológicas.

Para o advogado Fabricio Posocco (foto), do escritório Posocco & Advogados Associados, que defende a vítima, isso foi só o começo. O profissional ainda busca o ressarcimento para a mãe da criança. “Ressalte-se que a situação foi tão grave, que a mãe parou de trabalhar e foi autorizada a acompanhar seu filho dentro da unidade escolar para evitar novas agressões. Notadamente porque a escola já não conseguia cumprir seu dever de zelar pela incolumidade e integridade física dos alunos que estavam sob sua guarda”.

Três meses de tortura

Em 2024, o menino foi matriculado no Escola Total. Nesse programa, criado pela cidade de Santos, o aluno do ensino fundamental possuía atividades no período integral, sendo que as aulas eram regularmente assistidas de manhã na Pró Viver e à tarde na UME Dr. Fernando Costa.

Foram nestas duas instituições que a criança, entre fevereiro e maio, passou a sofrer perseguição gratuita por parte de colegas de classe da mesma idade. O estudante foi alvo constante de agressões físicas (chutes, mordidas e puxões de cabelo), agressões verbais (xingamentos e críticas ao seu corpo), agressão psicológica (perseguição e intimidação) e hostilização por meio de gesto obsceno (mostrar o dedo do meio).

Medo de voltar à escola

Cansado de ser alvo de tantos insultos e hostilização por parte dos colegas, a vítima revelou para a mãe que não pretendia mais retornar à escola, porque fazia reclamação à professora e ela não levava a sério.

A mãe procurou a docente, relatou o abalo emocional de seu filho e solicitou sua intervenção para que fossem tomadas providências. A resposta teria sido para não “maximizar as reclamações dos alunos por estas bobeiras de criança”.

‘Bobeiras’ que foram escaladas para violência. Em 29 de fevereiro, dentro do colégio municipal, o agressor deu uma mordida tão forte no peito da criança, que deixou marcas dos dentes e uma grande mancha roxa. A mãe só tomou conhecimento do fato no fim do dia, ao buscar o filho na escola e encontrá-lo com os olhos vermelhos de tanto chorar.

Um mês depois, o subdiretor da escola encontrou a vítima escondida embaixo de um escorregador no parquinho, com muito medo, chorando muito e dizendo que não queria mais estudar por não aguentar mais apanhar. A mãe, novamente, só ficou ciente da situação ao fim do dia.

Em abril, o aluno voltou a ser cruelmente agredido com socos, pontapés e puxões de cabelo, enquanto participava de uma atividade de leitura na biblioteca em frente às outras crianças e a própria professora.

A situação chegou a um nível tão grave, que para que o aluno pudesse retornar a frequentar a escola com segurança, a mãe foi autorizada a acompanhá-lo dentro da unidade de ensino.

Bullying foi registrado

Diante destes atos contínuos de bullying, a mãe preencheu um documento entregue pela própria diretoria do colégio relatando esse fato à escola e também à Pró Viver.

Ela também preencheu alguns formulários na Secretaria de Educação da Prefeitura de Santos solicitando providências.

A criança passou por exames médicos para ficar regularmente constatada a violência a que foi submetida dentro da instituição de ensino.

E registrou um boletim de ocorrência na Delegacia da Mulher por conta dessas agressões.

Administração não tomou nenhuma atitude

Nos autos, o juiz Troccoli pergunta “que providências efetivas e preventivas foram adotadas pela administração da escola municipal a fim de prevenir os episódios narrados? E a resposta é nenhuma."

No processo, testemunhas confirmaram a existência sistemática de agressões intencionais ao menino de 7 anos e também às outras crianças da mesma turma.

Também foi anexado relatório da coordenadora pedagógica da Pró Viver, endereçado a uma conselheira tutelar, constatando a mudança de comportamento da vítima do ano de 2023 para 2024.

Ajuda da imprensa

A vítima pediu para morrer porque não aguentava mais essa situação. A mãe desesperada e sem mais condições emocionais de suportar o que vinha ocorrendo com seu filho, apresentou um pedido de socorro através da imprensa.

Somente após as reportagens serem exibidas em jornais e emissoras de televisão da região, foi que a Prefeitura passou a dar atenção à violência física e psicológica sofrida pelo estudante.

A mãe foi chamada para uma reunião na escola, tendo participado de uma única “Roda de Conversa” sobre os fatos. Neste encontro não foi apresentada qualquer informação, proposta ou ideia que pudesse evitar ou melhorar os problemas vivenciados pela vítima.

No dia 7 de maio, infelizmente, por não aguentar mais essa situação, a mãe acabou por retirar seu filho do programa Escola Total (UME Dr. Fernando Costa e Pró Viver).

Busca pela Justiça

O advogado Fabricio Posocco revela que o bullying desencadeou na criança de 7 anos problemas de ordem psicológica, passível de ser reparado pela municipalidade, via indenização de danos morais e materiais. “Ele começou a ter medo de ficar sozinho e de retornar às aulas. Passou a ser acompanhado por um psicólogo, onde foi constatado quadro de ansiedade e depressão, chegando ao absurdo de precisar tomar remédios para conseguir dormir”.

O especialista conta que a mãe também pode ser indenizada pela prefeitura pelo dano reflexo – também conhecido como dano indireto ou por ricochete. Ele explica que o bullying perpetrado contra o filho, ainda menor, por alunos do mesmo colégio e a leniência da escola na correspondente repressão causam dano moral não só a ele, mas também à mãe. “Os tribunais superiores têm entendido que o sofrimento dos genitores é tão intenso quanto o da vítima direta, senão maior, diante, no caso concreto, do extraordinário padecimento sofrido pela criança.”

O que diz a lei

À nosso pedido, o advogado Fabricio Posocco listou normas válidas em todo o território brasileiro para o enfrentamento do bullying nas escolas, são elas:

- Lei nº 13.185, de 6 de novembro de 2015: institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying). Os artigos 4º e 5º regram que todo estabelecimento de ensino assegure medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate à violência e o bullying, implementando ações educativas preventivas para conscientizar alunos, professores, famílias e demais membros da comunidade escolar sobre os efeitos nocivos desta prática.

- Lei nº 13.663, de 14 de maio de 2018: alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional para incluir no artigo 12, inciso IX, a atribuição das instituições de ensino em promover medidas de conscientização, de prevenção e de combate a todos os tipos de violência, especialmente a intimidação sistemática (bullying), no âmbito das escolas.

- Lei nº 14.811, de 12 de janeiro de 2024: institui medidas de proteção à criança e ao adolescente contra a violência nos estabelecimentos educacionais ou similares, incluindo no Código Penal o artigo 146-A:

Intimidação sistemática (bullying): Art. 146-A. Intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais. Pena: multa, se a conduta não constituir crime mais grave.

Intimidação sistemática virtual (cyberbullying): Parágrafo único. Se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social, de aplicativos, de jogos on-line ou por qualquer outro meio ou ambiente digital, ou transmitida em tempo real. Pena: reclusão, de dois anos a quatro anos, e multa, se a conduta não constituir crime mais grave.

Além disso, o artigo 37, parágrafo 6º da Constituição Federal, bem como os artigos 43, 186, 927, 932 inciso IV, e 933 do Código Civil, deixam claro que cabe à escola manter a incolumidade física e moral de seus alunos, enquanto sob sua guarda temporária.

A ação judicial envolvendo menor de idade tem prioridade na tramitação, garantida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pelo Código de Processo Civil, artigo 1.048, inciso II.

“Infelizmente nenhuma dessas regras protetivas foi cumprida pelo Município de Santos, responsável pelo Escola Total, para salvaguardar a criança de apenas 7 anos, vítima de uma crueldade recorrente”, finalizou Posocco.

redacao@justicaemfoco.com.br

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