Falta de clareza e "blindagem" durante a transmissão ao vivo marcaram o evento realizado pelo Governo do Estado no processo de venda da estatal
Advogados que acompanharam a Audiência Pública da Celepar, realizada de forma virtual, na última quarta-feira (03), apontam que o protocolo do evento restringiu o contraditório e soou "apenas para cumprir tabela". O regulamento limitou inscrições por e-mail, fixou dois minutos por fala e não previu chat aberto, num encontro só on-line com três horas de duração.
Os advogados Paulo Jordanesson Falcão de C. Marcos, representante do Comitê de Trabalhadores contra a Privatização, e Dorival Assis Junior, do PT-PR, criticaram a falta de clareza, transparência e, inclusive, de divulgação prévia da audiência. Para Assis Junior, não houve debate efetivo durante o evento e a própria política do programa Parcerias do Paraná exige transparência e informação prévia, o que não se verificou.
Falcão pontuou a incompatibilidade jurídica já apontada em parecer da Procuradoria Geral do Estado (PGE), que prevê que se a empresa for privatizada, atribuições da Lei Estadual 17.480/2013 – como operar o datacenter único do governo, gerir VoIP e administrar a saída de internet dos órgãos – não podem permanecer sob uma companhia privada. A Procuradoria já havia sugerido, anteriormente, mudanças legais para contornar essa questão, com parecer protocolado na Assembleia Legislativa do Estado do Paraná (Alep).
PROTEÇÃO DE DADOS
No campo de proteção de dados, os juristas lembram que não é só a Secretaria de Estado da Segurança Pública (SESP) que precisa de abordagens específicas durante o processo de privatização. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) alcança toda a Administração. No Paraná, o Decreto 6.474/2020 exige governança, plano de implantação e RIPD (relatório de impacto) antes de qualquer mudança de tratamento dos dados pessoais dos cidadãos. A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) abriu procedimento de apuração sobre o modelo, fato ignorado durante a apresentação na audiência pública.
Além disso, a mesa virtual foi composta por consultorias contratadas que defendem a venda, porém estão diretamente envolvidas no processo. A Ernest Young (EY), por exemplo, foi escolhida sem licitação (inexigibilidade) para "assessoria, estudos e operacionalização" da privatização (Contrato 288/2025, 18 meses, R$ 8.776.412,53). Para os advogados, isso reforça o caráter "pró-forma" do encontro.
O Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR) também subiu o tom, antes mesmo da audiência. Em sessão ordinária ocorrida pouco antes, o conselheiro Fábio Camargo classificou a audiência do Governo do Paraná como "fajuta", tecendo várias críticas à forma como o processo de venda está sendo conduzido. O conselheiro Maurício Requião endossou as palavras de Camargo. Há pedidos de suspensão do processo sob análise.
As denúncias sobre um "datacenter fake" na SESP, com o objetivo de contornar restrições legais, seguiram no radar do debate público e viraram alvo da ANPD. A banca privada tratou da segregação de dados sensíveis, mas os juristas contrários à privatização justificam falta de clareza sobre salvaguardas concretas.
IMPASSES FINANCEIROS
Falcão lembrou ainda que há pontos financeiros sem resposta. O Balanço 2024 da Celepar reconhece R$ 165.828.628 em indébitos tributários ligados à imunidade (IR/ISS). Ele questiona se o "valuation" da estatal considera verbas que podem desaparecer com a privatização e se os órgãos públicos que pagaram a carga tributária serão ressarcidos.
O advogado do comitê salientou, também, pontos fundamentais que o Governo do Paraná precisa esclarecer antes de dar andamento ao processo de desestatização.
Falcão finalizou criticando a falta de debate e transparência durante todo o processo de venda. "O formato adotado na audiência pública blindou os integrantes da mesa e trouxe apenas respostas superficiais e pasteurizadas, claramente com o objetivo de mascarar a gravidade da conduta do Governo do Paraná nesse processo."
Segundo ele, ao contrário do que o governador Ratinho Jr. quer deixar transparecer, não são somente os dados da SESP, mas sim de outros órgãos como secretarias de Estado da Fazenda (SEFA), Saúde (SESA), Infraestrutura e Logística (SEIL), Desenvolvimento Sustentável (SEDEST), Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina (APPA), Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Paraná (AGEPAR), Fomento Paraná e outras instituições públicas que desempenham atividades como fiscalização, tributação e segurança referentes ao poder do Estado. "A CELEPAR é uma extensão do Estado, não pode, simplesmente, entregar os dados do governo e da população sem nenhuma espécie de estudo de impacto negativo que isso acarretará", criticou.