Por Leandro Mirra e Vitor Matteucci
Após anos de pessimismo e tempestades, o setor imobiliário brasileiro enfrenta atualmente uma relativa bonança. Mesmo considerando a taxa básica de juros da economia a um dos patamares mais elevados do globo terrestre, de 14,25%[1], os números da área apresentam uma resiliência impressionante. Dados da Secovi/SP mostram um crescimento de 24% (vinte e quatro por cento) no número de unidades vendidas no ano de 2024 em relação a 2023.
Dentre os temas mais aquecidos do setor, é possível citar, inicialmente, o arrefecimento do home office e o consequente retorno aos escritórios após a pandemia e o fortalecimento do trabalho presencial.
Durante a pandemia do COVID-19, era comum encontrar declarações triunfantes na imprensa que indicavam o fim do trabalho exclusivamente presencial, ou, pelo menos, a sua redução significativa[2]. Grandes empresas e bancos anunciavam um freio nos investimentos em espaços de trabalho físicos e a transição para um modelo híbrido.
Regiões como as Avenidas Faria Lima e Luís Carlos Berrini, além de áreas como a Vila Olímpia, em São Paulo, amargaram uma dramática crise: em dezembro de 2019, a vacância dos imóveis corporativos na Vila Olímpia era de 10,5% do total.
Em 2020, o índice subiu para 24,5%. E, no fim de 2021, chegou ao nível de 29,4%. Quatro anos após o fim da pandemia, esses números caíram[3] sensivelmente, cabendo justamente ao eixo da Berrini a responsabilidade pela maior queda.
A vacância de escritórios como um todo na cidade de São Paulo caiu[4] de um pico de 25,6% no 3º trimestre de 2023 para 20,9% no 4º trimestre de 2024, sem que essa redução apresente sinais de que vá desacelerar. Os dados demonstram que a área locada tende a aumentar: em busca de tornar a ida ao escritório algo mais palatável, as empresas que alugam escritórios vêm demonstrando[5] preferência por conjuntos menos densos e com espaços de convivência maiores. Isso favorece a construção e lançamento de escritórios maiores, ou que, pelo menos, façam um uso mais inteligente do espaço.
Há um consenso entre urbanistas de que é saudável haver uma mistura entre os empreendimentos corporativos, residenciais e de pequenos comércios em uma região. O uso misto é apontado como uma solução que fortalece a qualidade urbanística de um bairro e valoriza seus imóveis.
Do ponto de vista jurídico, empresários devem prestar atenção a iniciativas legislativas que fortaleçam essa integração. Exemplos são a Lei nº 4.000/2021, sancionada em 2022[6], e o Projeto de Lei nº 3.417/23[7], hoje em tramitação no Senado Federal.
A primeira reduziu, em condomínios edilícios, o quórum necessário para que se altere a destinação de uma unidade imobiliária ou do edifício. Antes, exigia-se a totalidade dos votos. Com a mudança, esse número passou a ser de dois terços. O Projeto de Lei 3.417/23, por seu turno, aprofunda o movimento de flexibilização e reduz esse quórum para a maioria absoluta, ou metade mais um dos condôminos.
Fato é que propostas legislativas que caminhem em direção à maior flexibilidade na destinação dada a edifícios podem impactar e influenciar dramaticamente o valor de imóveis em bairros que tenham uma composição mais engessada (muito residenciais ou muito comerciais) e que se beneficiem de uma maior diversidade.
Outro tema que merece atenção é a retomada de programas habitacionais como o “Minha Casa Minha Vida”. Extinto em 2020, no auge da pandemia, ele foi reinstaurado por meio da Lei Federal nº 14.620/2023, com mudanças significativas.
Dentre elas, está o fato de que a Caixa Econômica Federal não será mais o operador exclusivo do programa, abrindo espaço para bancos digitais, cooperativas de crédito e outras instituições financeiras atuarem, mediante a comprovação de capacidade técnica e que se identificação da destinação dos recursos.
Também merece destaque o aumento da renda elegível para o programa: podem concorrer a ele famílias que tenham renda mensal de até R$ 8 mil (em zona urbana) ou renda anual de R$ 96 mil (em zonas rurais). Por fim, foi determinado o aumento do valor de enquadramento dos imóveis para até R$ 350 mil e ampliados os subsídios para até R$ 55 mil.
Os efeitos já são palpáveis: no ano em que se retomaram as contratações do programa, algo que aconteceu em 1º de fevereiro de 2024, com a abertura de linhas de crédito para famílias com renda mensal de até R$ 2.640 (enquadradas na faixa 2 do programa), foram financiados quase 700.000 imóveis, o maior número em 11 anos. Mais ainda, projeções[8] contemporâneas indicam contratações na ordem de 2,5 milhões de unidades habitacionais até o fim de 2026.
Apesar de tais números indicarem uma riqueza de oportunidades no setor imobiliário, os riscos jurídicos permanecem tão presentes e relevantes como sempre foram, e exigem que o empresário conte com assessoria jurídica qualificada para orientá-lo adequadamente.
SEGURANÇA JURÍDICA
Em termos imobiliários (e possivelmente em outros também), o potencial econômico do Brasil contrasta com um senso geral de pessimismo da população média em relação ao Poder Judiciário e ao comportamento das instituições.
Em ranking divulgado pela Transparência Internacional, utilizando dados do World Justice Project - ambas organizações internacionais sem fins lucrativos, que estudam o quão eficientes os países são em combater a corrupção e servir justiça às suas populações - o Brasil registrou 34 pontos, ocupando a 107ª posição entre 180 países avaliados, no Índice de Percepção da Corrupção.
Esta é a pior nota e a pior colocação do país na série histórica do índice, iniciada em 2012[9]. Como medida de “resposta”, a Confederação Nacional da Indústria (CNI), em sua Agenda Jurídica para 2025, apontou 78 ações em trânsito perante o Supremo Tribunal Federal (STF) que apresentam riscos para o setor.
É verdade que tais publicações utilizam critérios imprecisos, lidam com percepções excessivamente subjetivas e podem não refletir com fidelidade a real situação de cada país. Não obstante, é inegável que o Brasil enfrenta uma desconfiança sobre a maneira como decisões judiciais são tomadas.
Tão ou mais preocupante quanto a corrupção pura e simples, o alto nível de inconsistência e voluntarismo das decisões judiciais assusta investidores internacionais e “seca as fontes” de recursos que poderiam ser utilizadas para o desenvolvimento do setor imobiliário[10].
Não obstante, nos últimos meses, tribunais superiores proferiram decisões favoráveis à segurança jurídica no setor imobiliário e que trazem algum alento, merecendo atenção por parte de empresários e investidores.
Como primeiro exemplo, há o Recurso Especial nº 2.171.089/DF, especialmente favorável a proprietários de imóveis alugados para empresas que venham a enfrentar processos de recuperação judicial. Como demonstram dados da Serasa Experian[11], em 2024 os pedidos de recuperação judicial por parte de empresas superaram recordes e não demonstram sinais de que vão arrefecer. Nesse cenário, saber se é possível despejar um inquilino insolvente torna-se uma preocupação relevante para investidores imobiliários.
No caso, se discutia qual juízo teria a responsabilidade para julgar a ação de despejo de locatária em recuperação judicial e se as ações de despejo devem ficar suspensas com o deferimento do processamento da recuperação judicial da locatária.
O Superior Tribunal de Justiça decidiu que a responsabilidade sobre a ação cabe ao Juiz que já analisava o processo de despejo, e não ao juiz da recuperação judicial, um ponto que tende a favorecer o locador, já que o juízo onde tramita o despejo possui maior familiaridade com os argumentos do credor.
Além disso, também se decidiu que as ações de despejo não devem ser suspensas quando o Judiciário aceita analisar a recuperação judicial da empresa, já que o processo de reestruturação paralisa ataques ao patrimônio do devedor, e imóveis alugados não são parte do seu patrimônio.
Outra decisão recente de interesse para o setor imobiliário foi o julgamento do Tema nº 1.134 pelo Superior Tribunal de Justiça, em 9 de outubro de 2024. Uma antiga controvérsia pendia sobre a responsabilidade do adquirente de imóvel em leilão judicial sobre os tributos não pagos pelo antigo dono do bem.
Em julgamento que almejava lidar com uma série de processos que versavam sobre esse tema, decidiu-se que “a aquisição da propriedade em hasta pública ocorre de forma originária, inexistindo responsabilidade do terceiro adquirente pelos débitos tributários incidentes sobre o imóvel anteriormente à arrematação, por força do disposto no parágrafo único do art. 130 do CTN”.
Consequentemente, proibiu-se exigir do arrematante, com base em previsão editalícia, o recolhimento dos créditos tributários incidentes sobre o bem arrematado cujos fatos geradores sejam anteriores à arrematação. Essa decisão, além de conferir mais segurança jurídica a investidores imobiliários, também pode estimular a aquisição de imóveis para a sua reforma e recolocação no mercado, ou retrofit – especialmente quando olhada em conjunto com as leis que pretendem facilitar a mudança na destinação de um imóvel.
Por fim, destaca-se o Recurso Especial nº 2.169.766/SP, ainda pendente de julgamento colegiado pelo Superior Tribunal de Justiça, mas no qual já houve decisão monocrática proferida pelo Ministro Relator Marco Aurélio Bellizze. Neste caso, discute-se a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ou da Lei que regulamenta a alienação fiduciária – Lei Federal nº 9.514/97 – para casos em que o consumidor desista da compra sem a constituição de mora.
Inicialmente, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu favoravelmente aos compradores, que enfrentavam dificuldades financeiras e buscavam a rescisão do contrato sem terem entrado em mora. A decisão do Ministro Relator Marco Aurélio Bellizze, por seu turno, decidiu pela não aplicação do Código de Defesa do Consumidor à causa, com benefícios para o setor imobiliário em casos semelhantes.
A causa provavelmente será submetida à sistemática dos recursos repetitivos, e NWADV permanece atento para o seu desdobrar.
Em resumo, o setor imobiliário combina pujança com complexos desafios jurídicos. É indispensável para o investidor qualificado ou empresário interessado no setor contar com assessores jurídicos experientes e qualificados, de forma a obter retornos superiores à média do mercado e evitar surpresas.
[1] https://www.bcb.gov.br/estatisticas/detalhamentoGrafico/graficoshome/selic
[3] https://secovi.com.br/secovi-sp-divulga-dados-do-mercado-de-escritorios-no-2o-trimestre/
[5] https://metroquadrado.com/comercial/xo-cubiculo-no-pos-pandemia-o-escritorio-cresceu/