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Exigência de comum acordo coloca dissídios entre a utopia e a desobediência constitucional

redacao@justicaemfoco.com.br / Foto: Divulgação. - 23/09/2024
 

Por Gabriel Henrique Santoro (*)

Ao estabelecer o prazo de 15 dias para receber contribuições a respeito de um Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), o ministro Maurício Godinho Delgado, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), abriu a oportunidade para uma discussão que parece não oferecer um desfecho positivo sem a participação efetiva do poder legislativo por meio de uma mudança na Constituição.

Caso os parlamentares não assumam a responsabilidade de adequar a Carta Magna às melhores práticas, os caminhos que se oferecem conduzem por um lado a uma situação utópica e, por outro, a uma desobediência ao texto constitucional.

O tema em questão é a necessidade de comum acordo entre as partes para a interposição de dissídio coletivo de natureza econômica.

Ocorre que o Artigo 114, parágrafo segundo, da Constituição Federal, exige o comum acordo entre o sindicato patronal e o sindicato dos empregados para o ingresso da demanda chamada de Dissídio Coletivo de Natureza Econômica; essa ação tem como objetivo resolver assuntos como o reajuste anual de salários, a adoção de programas como vale-refeição e vale- alimentação, e assim por diante.

Então, sempre que existe uma discussão a respeito desses temas e os sindicatos de ambas as partes não conseguem chegar a um acordo por conta própria, eles se socorrem do Poder Judiciário na busca de uma solução para o imbróglio.

Quando isso ocorre, há uma grande indefinição nos Tribunais do país.

Em alguns julgamentos se exige o comum acordo entre as partes, tal qual previsto na Constituição, e, quando ele não existe, os juízes simplesmente extinguem o dissídio coletivo. Já em outros casos, os Tribunais relevam essa exigência por entenderem que, se for exigido o comum acordo de uma parte que não quer nem negociar, na prática será criada um óbice intransponível para o exercício da jurisdição.

Então, o propósito do TST ao abrir a discussão é uniformizar os procedimentos e definir um padrão para que as decisões sejam tomadas pelos mesmos critérios em todo Brasil. Ou seja; ou o comum acordo será exigido para todos os casos ou não será para nenhum. 

Analisando diretamente o mérito da questão, a realidade é que exigir o comum acordo, ou seja, exigir que tanto sindicato patronal quanto o sindicato dos empregados ingressem juntos no judiciário, pode ser considerada uma condição utópica.

Basta constatar a realidade de que se uma das partes se recusar a entrar com um dissídio coletivo ela praticamente inviabiliza o resultado prático daquele processo, o que será um resultado muito bem-vindo para quem não quer nem negociar ou não quer ajustar ou não quer adotar nenhum novo programa que beneficie ao trabalhador, por exemplo.

Por outro lado, independentemente da opinião pessoal dos ministros, ou de qualquer outra parte envolvida, a Constituição exige de forma expressa o comum acordo. Diante da expressa exigência aposta na Carta Magna, não caberia a qualquer intérprete das leis (como o TST, por exemplo) mudar esta regra.

Desta forma, se o Tribunal máximo trabalhista optar por avançar na direção desta mudança e eliminar a exigência do comum acordo, é possível, e muito provável, que isso seja revisto em algum momento pelo Supremo Tribunal Federal (STF), dado que a matéria versão sobre tema constitucional.

O imbróglio conduz diretamente ao pensamento lógico que diz: diante de duas opções escolha a terceira.

Neste caso, a terceira opção é a única que pode pacificar definitivamente o assunto e ela atende pelo nome de Congresso Nacional. Só os parlamentares têm a incumbência e a autoridade para mudar o texto constitucional.

E se isso é necessário, mãos à obra.

(*) Gabriel Henrique Santoro é advogado do Juveniz Jr Rolim e Ferraz Advogados.

 

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