ENTREVISTA E DEBATE

Falta de diálogo com governo leva médicos do DF à greve

Por Ronaldo Medeiros. Foto: Divulgação - 02/09/2024
 

Médicos da rede pública de saúde do Distrito Federal (DF) darão início a uma greve, nesta terça-feira (3 de setembro), em resposta ao que descrevem como uma crise contínua de sucateamento do sistema de saúde e condições de trabalho cada vez mais insustentáveis. O movimento ocorre após anos de tentativas infrutíferas de diálogo com o governo local, liderado pelo governador Ibaneis Rocha, que, apesar de reconhecer o problema, não atendeu às demandas da categoria.

A crise no sistema de saúde pública do DF tem se agravado ao longo dos últimos anos. Em março deste ano, o governador Ibaneis reconheceu publicamente o déficit significativo de médicos na rede pública e a necessidade urgente de uma solução. No entanto, desde o início de seu primeiro mandato, o Sindicato dos Médicos do Distrito Federal (SindMédico-DF) tem feito reiterados pedidos de audiência para discutir o problema, todos ignorados pelo governo. 

Segundo o SindMédico-DF, o déficit de médicos e de outros profissionais de saúde no Sistema Único de Saúde (SUS) do Distrito Federal não é recente, mas nunca antes havia atingido níveis tão críticos. Em 2014, a Secretaria de Estado de Saúde do DF (SES-DF) contava com 5.546 médicos em seu quadro. Hoje, esse número caiu para 4.197, com uma redução particularmente severa em 21 especialidades. As exceções são as áreas de medicina de família e comunidade e medicina de emergência, que conseguiram manter números estáveis.

Na Estratégia Saúde da Família, por exemplo, 24% da cobertura médica no DF é atualmente garantida por programas federais como Mais Médicos e Médicos pelo Brasil. O governo do DF argumenta que há uma falta de interesse por parte dos profissionais em trabalhar no serviço público, mas os números do último concurso para a carreira médica, realizado em 2022, contradizem essa afirmação. Na ocasião, 4.597 médicos se inscreveram para disputar 381 vagas oferecidas pela SES-DF. No entanto, muitos desses médicos desistiram de assumir os cargos ou abandonaram suas posições pouco depois da posse, citando problemas como salários defasados, infraestrutura inadequada e excesso de demanda nas unidades de saúde.

A greve é o resultado de anos de tentativas fracassadas de negociação com o governo. Desde 2019, o SindMédico-DF protocolou múltiplos pedidos de audiência com o governador, sem resposta. Em abril de 2024, o sindicato recorreu ao Ministério Público do Trabalho na esperança de mediar um acordo, mas até agora o Governo do Distrito Federal (GDF) não indicou um representante qualificado para conduzir as negociações.

A situação dos profissionais de saúde se deteriorou ainda mais durante e após a pandemia de COVID-19, que sobrecarregou a já frágil rede pública. A pandemia, combinada com uma sazonalidade severa de doenças respiratórias e uma epidemia de dengue, expôs a falta de estrutura e pessoal adequado para lidar com emergências sanitárias, resultando em perdas evitáveis de vidas e aumento dos gastos públicos com soluções paliativas e de curto prazo.

Atualmente, a SES-DF enfrenta uma perda de 24,3% de seus médicos em relação a 2022. Essa evasão ocorre em um contexto de desinvestimento contínuo na saúde pública. Em 2018, o Fundo Constitucional do DF cobria 43,76% dos gastos públicos com a saúde, enquanto o restante era financiado principalmente pelo Tesouro do DF. Entre 2018 e 2023, a participação do Fundo Constitucional aumentou para 65,61%, enquanto os recursos locais destinados à saúde diminuíram significativamente. A folha de pagamento da SES-DF também sofreu cortes, com uma redução de 16 pontos percentuais na participação dos salários dos médicos, que agora representam apenas 25% da folha total, refletindo a fuga de profissionais para o setor privado.

A greve, liderada pelo presidente do SindMédico-DF, Dr. Gutemberg Fialho, começa com uma concentração em frente à sede da Secretaria de Estado de Saúde do DF, localizada na Asa Norte. Em um vídeo divulgado nas redes sociais, Dr. Gutemberg expressou pesar pelos transtornos que a greve pode causar à população, mas ressaltou que o movimento é necessário para chamar a atenção para o sucateamento do serviço público de saúde. Ele afirmou que “as condições de trabalho dos médicos estão em uma situação precária, comprometendo a assistência que tanto necessitamos e merecemos.”

A greve tem como principais reivindicações a melhoria das condições salariais e de trabalho, além de uma gestão mais eficaz e comprometida com a saúde pública. Os médicos exigem uma reestruturação das condições de trabalho, que inclui a adequação do quadro de pessoal às demandas reais da população e a melhoria das instalações físicas das unidades de saúde, que atualmente carecem de manutenção e recursos.

A situação é agravada pela falta de transparência e pela percepção de desinteresse do governo em resolver a crise. A greve dos médicos do DF é vista como um grito de alerta, não apenas sobre a insatisfação da categoria, mas sobre a urgência de se repensar a gestão da saúde pública no Distrito Federal. A saúde, como um direito fundamental, merece atenção prioritária, e os recursos destinados a ela devem ser aplicados de maneira transparente e eficaz, garantindo o bem-estar da população e a dignidade dos profissionais que dedicam suas vidas ao cuidado dos outros.

Até o momento, o governo de Ibaneis Rocha não emitiu uma declaração oficial sobre a greve ou as reivindicações dos médicos. A situação permanece tensa, com a expectativa de que a greve continue a impactar o atendimento nas unidades de saúde do DF nos próximos dias.

O site Justiça em Foco abre espaço para a Secretaria de Saúde do DF publicar sua versão.

redacao@justicaemfoco.com.br

 

Compartilhe