Por Jean Phierre Vargas
Há aproximadamente duas semanas, o Brasil acompanha, atônito, as enchentes que assolam o Rio Grande do Sul. Trata-se de um dos maiores desastres climáticos já registrados em nossa história, causando a morte de mais de uma centena de pessoas, enquanto outras tantas ainda estão desaparecidas. A enchente que afeta 446 municípios gaúchos e a vida de mais de 2 milhões de pessoas, segundo a Agência Brasil, mobiliza o país e tem promovido a maior operação de socorro e reconstrução na história do Brasil. Não há dúvidas quanto ao profundo impacto social em diferentes áreas, tais como saúde, educação, transporte, entre outras.
Trata-se de um desastre climático superlativo e que, infelizmente, tem ocorrido com maior frequência nos últimos anos em todo o mundo, não sendo diferente no Brasil. Segundo dados registrados entre os anos de 1991 e 2022 pelo Ministério de Desenvolvimento Regional (MDR) e Atlas Digital de Desastres no Brasil, a tragédia recente que assolou o Estado de Pernambuco no ano de 2022, foi ainda maior do que a enfrentada pelo povo gaúcho.
A principal consequência das mudanças climáticas que ocorrem no planeta, está relacionada com um aumento na repetição e intensidade de eventos climáticos extremos, tais como enchentes, tempestades, furacões e secas. Diante de um cenário que aponta para a ocorrência mais frequente de eventos climáticos extremos, a inevitável pergunta é: o que pode ser feito para mitigar ou minimizar seus destrutíveis impactos?
Uma das respostas para tal questionamento, certamente passa pelo planejamento urbano dos municípios brasileiros, sendo ponto central de discussões sobre o futuro das nossas cidades no século 21. É necessário lembrar que o planejamento não é restrito ao âmbito físico e estético das cidades. Ele, na verdade, é um trabalho que exige previsão de futuro, análise de tendências e conhecimento social. Sem estudos adequados sobre todos os aspectos do desenvolvimento urbano, bem como a aplicação rigorosa de seus resultados, não será possível produzir um mapeamento abrangente das áreas urbanas e a projeção antecipada dos problemas que podem resultar de ocupações desordenadas.
Na legislação brasileira, o Estatuto da Cidade, criado pela lei nº 10.257/2001, estabeleceu as diretrizes gerais da política urbana, com o objetivo de ordenar o desenvolvimento das cidades em todos os seus aspectos e, para a consecução desse escopo, foram criados instrumentos jurídicos dentre os quais se destaca o Plano Diretor. Segundo o Professor Paulo de Bessa Antunes, o Plano Diretor é um dos “instrumentos jurídicos mais importantes para a vida das cidades,” na medida em que se mostra como a fonte de “todas as diretrizes e normativas para a adequada ocupação do solo urbano”. Segundo a legislação, o Plano deve ser atualizado a cada dez anos.
Contudo, de forma ampla, a administração pública brasileira tem se caracterizado pela carência de planejamento que permita o bom desenvolvimento urbano e social. Somado a isso, temos um cenário em que, segundo dados do IBGE, 84% da população brasileira vive em áreas urbanas, sendo evidente, portanto, que o planejamento urbano é crucial para garantir uma qualidade de vida adequada aos cidadãos. A fim de realçar a precariedade no planejamento urbano de nossas cidades, segundo dados levantados em junho de 2023 pela Folha de São Paulo, 11 das 27 capitais brasileiras estão em atraso com a revisão de seus Planos Diretores. O Município de Aracaju, por exemplo, não promove atualização em seu Plano Diretor desde a promulgação do Estatuto da Cidade.
A carência de um adequado planejamento urbano, especialmente em cidades que tenham maior potencial de risco de desastres naturais, tende a aumentar as graves consequências produzidas nas cidades pelos eventos climáticos extremos, tal como ocorre neste trágico episódio enfrentado pela população do Rio Grande do Sul.
Os problemas das cidades urbanizadas são desafios constantes para a administração pública, sobretudo, quando esses problemas são consequências da falta de planejamento urbano. A Comissão de Desenvolvimento Regional (CDR) promoveu debate no Senado Federal, no ano de 2022, com o tema “o papel do planejamento urbano na gestão de riscos e na prevenção de desastres.”
Não há outra conclusão, senão a de que o planejamento e gestão das cidades deve passar por diferentes níveis de abrangência, especialmente frente às mudanças climáticas e ambientais que exigem uma ação ao nível internacional que efetivamente diminuam o aquecimento global. É necessário, portanto, que se atente para as particularidades do Rio Grande do Sul, como por exemplo, a recorrência de eventos extremos e priorizar a atenção nos municípios localizados em áreas suscetíveis de inundação, enxurradas e deslizamentos.
Fato é que precisamos de um novo modelo de urbanização, fundado em estudos pontuais que permitam a mitigação ou, ao menos, a redução dos impactos advindos de desastres naturais, visando o bem-estar da população, norteado pela criação de espaços urbanos planejados, que reduzam as desigualdades socioambientais. Somente por meio do planejamento urbano, educação e implementação de políticas públicas eficazes, será possível minimizar os impactos desses eventos climáticos extremos, proteger as vidas e o meio ambiente de subsistência dos cidadãos brasileiros.
Jean Phierre Vargas / Advogado especialista em direito público. Conselheiro Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional de Mato Grosso do Sul. Palestrante e Conferencista. Ex-Procurador Municipal e atual Presidente Estadual da União Brasileira de Apoio aos Municípios (UBAM-MS).
Referência bibliográficas
[2] https://atlasdigital.mdr.gov.br/
[3] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm
[4] ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2022.