Mauro Takahashi Mori
Nas últimas semanas, uma desavença envolvendo uma famosa jovem atriz brasileira e seus pais tomou conta do noticiário, das conversas nas rodas de amigos e, principalmente, das redes sociais. O tema tem gerado muitos debates e, principalmente, muitas dúvidas sobre a responsabilidade das partes, a participação de menores em empresas, os limites dos poderes dos pais em relação à administração dos bens de seus filhos, dentre outros aspectos. E, embora provoquem a curiosidade do público em geral, geram repercussões jurídicas importantes que somente podem ser avaliadas pelas partes envolvidas, por seus assessores jurídicos e pelo juiz da causa (caso a situação chegue a esse ponto).
Assim, sem a menor pretensão de fazer juízo de valor sobre o caso concreto, apresentamos alguns esclarecimentos que podem auxiliar famílias em situações semelhantes ou que tenham a intenção de incluir menores como sócios de sociedades.
Qual é a diferença entre sócio e administrador de uma sociedade?
Embora soe como uma pergunta simples, fato é que muitos ainda confundem as figuras de sócio e de administrador, como se o mero fato de ser sócio de uma sociedade garantisse total poder para gerir a empresa.
O sócio é a pessoa jurídica ou física que detém participação no capital social de uma sociedade. Assim, em uma sociedade limitada, o sócio será titular de, no mínimo, uma quota do capital social, enquanto, em uma sociedade por ações, ele será titular de, no mínimo, uma ação. O sócio exerce seu comando por meio do exercício do direito de voto que costuma ser proporcional à quantidade de quotas ou de ações votantes da sociedade. Mas ele não tem, necessariamente, o poder de representar a sociedade perante terceiros.
Tal papel cabe ao administrador, que é a pessoa física com o poder de gestão da sociedade. Isto é, com o poder de contratar e demitir empregados, assinar e rescindir contratos, efetuar pagamentos, representar em processos etc., nos limites da lei, do contrato social e das orientações proferidas pelos sócios.
Para que um sócio tenha o poder de administrar uma sociedade, ele deverá ser nomeado como sócio administrador.
Uma pessoa com menos de 18 anos de idade pode ser sócia de uma sociedade?
Sim, pois a lei não estabelece uma idade mínima para que alguém possa ser sócio de uma sociedade. Entretanto, se o jovem tiver menos de 16 anos, ele obrigatoriamente deve ser representado por seus pais, pois é considerado como absolutamente incapaz para o exercício dos atos da vida civil. Isso significa dizer que todos os atos devem ser praticados por seus pais, mas sempre em benefício e no melhor interesse do menor.
Caso o jovem possua entre 16 e 18 anos, ele deverá ser assistido por seus pais. Isto é, ele precisará estar acompanhado de seus pais, pois se presume que o jovem possui capacidade relativa para a prática dos atos da vida civil.
O menor emancipado, por sua vez, já é considerado como plenamente capaz e, portanto, não precisa ser representado e nem assistido por seus pais. A emancipação do menor com 16 anos completos pode ocorrer nos casos previstos em lei. Por exemplo, por concessão dos pais por instrumento público ou por sentença do juiz, pelo casamento, pelo exercício de emprego público efetivo, pela colação de grau em curso de ensino superior, ou pela existência de relação de emprego desde que o menor com 16 anos tenha economia própria.
Ademais, tendo em vista que um sócio de uma sociedade limitada pode ser responsabilizado perante terceiros pelo valor do capital social não pago por outro sócio, a lei buscou mitigar os riscos da pessoa incapaz ao estabelecer que ela somente poderá ser sócia se o capital social da sociedade estiver totalmente integralizado.
O menor de 18 anos pode ser administrador de uma sociedade?
Não, o sócio incapaz (incluindo o menor relativa ou absolutamente incapaz) não pode ser administrador de uma sociedade, pois como não tem capacidade legal para agir plenamente em nome próprio, também não pode agir e atuar em nome de uma pessoa jurídica. O menor de 18 anos poderá ser administrador de uma sociedade apenas se for emancipado.
Se o jovem é incapaz, quem tem poder para administrar seus bens?
Os pais, enquanto no exercício do poder de família, são os usufrutuários dos bens do filho incapaz e têm o poder de administrar o patrimônio desse filho. Ou seja, os bens pertencem ao filho incapaz, mas seus pais poderão usar, administrar e receber os frutos (a renda) provenientes desses bens. Assim, caso o jovem incapaz seja sócio de uma sociedade, seus pais terão o direito de exercer o direito de voto e de receber os lucros distribuídos por tal sociedade até que o jovem se torne capaz.
Mas esse poder dos pais não é absoluto, pois devem sempre utilizar e administrar tais bens no melhor interesse do filho incapaz como, por exemplo, investindo na criação, moradia, bem-estar na educação do filho com dignidade.
Ao atingir a maioridade e caso haja indícios de abuso de direito por parte dos pais, o filho poderá exigir judicialmente a prestação de contas de seus pais (comprovação de uso regular dos bens) e, caso reste comprovado o abuso na administração e uso dos bens, os pais poderão ser condenados a reparar os danos sofridos pelo filho.
Ademais, com a maioridade, o jovem adquirirá plenos poderes como sócio da sociedade e poderá exigir a prestação de contas dos administradores (sejam esses seus pais ou não) da sociedade de qual o jovem faz parte.
Um sócio pode deixar todo o seu patrimônio a outro sócio?
“Deixar” o patrimônio é uma expressão muito ampla e extremamente vaga. Um sócio pode se retirar de uma sociedade de várias formas como, por exemplo, por meio de doação ou venda de sua participação societária, do exercício do direito de retirada nas hipóteses previstas no contrato social e na lei, do pedido de dissolução parcial ou total da sociedade etc.
É essencial avaliar cada alternativa antes da adoção de medidas drásticas, pois as repercussões tributárias e societárias podem variar caso a caso.
E o que fazer para evitar desentendimentos?
Além da criação de regras contratuais claras nas sociedades envolvendo menores (como em qualquer outra sociedade), a orientação jurídica se torna de extrema importância quando os pais e filhos usam vários chapéus ao mesmo tempo. Ou seja, os pais como empresários dos filhos, administradores dos bens dos filhos e os filhos como sócios e proprietários dos bens.
Os pais precisam entender seus deveres legais como empresários e administradores dos bens dos filhos, e os limites de seus direitos como usufrutuários dos bens que não lhes pertencem, enquanto os filhos precisam, na medida do possível, conhecer seus direitos e deveres como sócios, proprietários dos bens, e dos diversos papéis exercidos por seus pais.
O simples fato de o jovem atingir a maioridade e se tornar legalmente capaz não significa necessariamente que ele está apto para exercer o papel de sócio de forma diligente e tampouco de gerir a sociedade.
Em muitas empresas familiares com um sistema de governança corporativa mais estruturado é comum que os jovens iniciem aos poucos treinamentos para conhecer a empresa da qual fazem (ou podem fazer parte), sobre os papéis de um sócio e o impacto social da empresa familiar para seus stakeholders (empregados, clientes, fornecedores).
Em outras palavras, cada um deve saber exatamente o peso de cada chapéu que carrega sobre sua cabeça.