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Posso educar meu filho em casa?

- 15/10/2018
 

Da filiação, seja ela socioafetiva ou sanguínea, deriva o poder familiar que, além de chancelar direitos e poderes dos pais sobre os filhos, gera também deveres e responsabilidades, sempre sob o olhar atento do Estado. É assim que funciona no Brasil. Ainda mais depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que pais são obrigados a matricular os filhos nas escolas, sendo incompatível com as leis do país a prática do que chamamos de homeschooling, ou educação escolar em casa.

Quando se fala no dever de educar os filhos, não se deve pensar apenas nas ideias de respeito, valores e princípios, mas no conceito de ensino e aprendizado (ler, escrever, contar). Entretanto, é também dever do Estado oferecer o ensino através do acesso livre e amplo às escolas. A responsabilidade pela educação é, portanto, uma relação conjunta entre família e Estado.

A Constituição determina que o Estado deve oferecer “educação básica obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos de idade” (artigo 208), e a família assegurar à criança e ao adolescente o direito à educação (artigo 227). Contudo, diante da completa falência do ensino público oferecido pelo Estado, muitos pais estão questionando a obrigatoriedade de matricularem seus filhos nas escolas para oferecer-lhes ensino em casa, justamente o homeschooling.

A prática teve origem nos Estados Unidos a partir dos estudos do professor John Holt da Universidade de Harvard e tem ganhado adeptos no mundo todo, incluindo no Brasil. Basicamente, o estudo doméstico consiste em ter um aprendizado em casa (o estudante não frequenta escolas formais) pelos pais e/ou professores particulares a partir de currículo e cronograma preestabelecidos. Embora diferente, também há cobranças e provas.

Além da falência do ensino público, outros fatores contribuem para a adoção dessa prática: violência nas escolas, convicções religiosas transmitidas em sala de aula, bullying ou ainda incompatibilidade de valores da família com a instituição de ensino. A partir desse contexto, famílias brasileiras questionaram a Justiça para poderem educar seus filhos em casa sem matricula-los no ensino regular.

Mesmo o Estatuto da Criança e do Adolescente prevendo no artigo 55 ser dever dos pais matricular os filhos na rede de ensino sendo crime previsto no artigo 246 do Código Penal esta inobservância, muitos adeptos do homeschooling dizem que a Constituição garante a autonomia familiar e a liberdade de educar os filhos à sua maneira, face às mazelas do ensino ou a ausência de escolas que atendam seus interesses familiares.

Como o homeschooling não tem nenhuma previsão legal, o STF se debruçou sobre o assunto no início de setembro porque uma família do Rio Grande do Sul questionou, em diversas instâncias, a legalidade da prática. E por 9 votos contra 1 decidiu que a educação doméstica nesses moldes é incompatível com o que dizem as leis brasileiras. A decisão proíbe os adeptos a praticarem esse tipo de ensino. E determina que continua sendo dever dos pais matricular os filhos na escola, assim como ainda é obrigação do Estado ser o tutor do ensino, como professor ou fiscal.

As escolas, públicas ou privadas, são os locais onde as crianças e adolescentes se deparam com opiniões, pensamentos e ensinos diversos daqueles que recebem em casa, de suas famílias. Como espaço de interação social, ensinam muito mais do que apenas ler e escrever. Demonstram que o mundo é feito pela diversidade e que um convívio sadio e democrático pressupõe aprender a conhecer e respeitar opiniões contrárias às nossas.

O homeschooling, ao contrário, aponta para uma sociedade cada vez mais intolerante e individualista. Os pais podem (e devem) complementar a educação que a escola ensina, mas

esta blindagem familiar parece não condizer com os espíritos constitucionais da democracia e da pluralidade de ideias que vigoram na Constituição Federal. Saber conviver com aqueles que pensam diferente sem tê-los como inimigos é o que fortalece uma nação.

 

Renan De Quintal integra a equipe do escritório Batistute Advogados (societário, gestão patrimonial e imobiliário), é formado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), pós-graduado pela Escola de Magistratura do Paraná (EMAP) e membro da comissão de direito da família e sucessões da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR), pela subseção de Londrina.